vinho de mesa entra no radar de vinícolas e gira R$ 5,6 bilhões

Bloomberg Línea — Havia um “intruso” na discussão sobre a evolução do mercado de vinhos no Brasil ao longo do ano passado.

Durante a nona edição do seminário Adega Ideal, no fim de fevereiro, por exemplo, a apresentação de dados detalhados sobre o consumo da bebida no Brasil teve que desviar a atenção dos grandes nomes da bebida no mundo para olhar para o que seria em tese um “primo pobre”: o vinho de mesa produzido no Brasil.

Enquanto grandes marcas e figuras importantes em atuação no país, como Moët Hennessy e Concha y Toro, bem como grandes importadores e varejistas como Wine.com e Grupo Pão de Açúcar, se debruçavam sobre as tendências do consumidor nacional de vinhos finos e caros, a apresentação apontou o movimento de “premiumização” de vinhos mais simples e baratos.

Por anos alvo de preconceito e amplamente ignorados por enófilos e sommeliers, rótulos populares como Pérgola e Quinta do Morgado atualmente são responsáveis por mais da metade do volume de vinho consumido no Brasil.

Essas bebidas servem como uma introdução ao consumidor do mundo dos vinhos, muitas vezes vendidas em versão “suave”, mais doce; e desempenham papel central no mercado nacional, movimentando bilhões de reais por ano.

Leia também: Por que o mercado de vinhos no Brasil pode estar prestes a dar um salto histórico

O dado foi apresentado por Felipe Galtaroça, CEO da Ideal Consulting, empresa dedicada à análise de dados sobre o setor de vinhos e espumantes no país.

Em entrevista à Bloomberg Línea, o executivo explicou que o vinho de mesa representa 58% do volume total comercializado no Brasil. E, embora tenha um preço médio mais baixo do que os vinhos finos, ainda assim responde por 29% do faturamento do mercado nacional.

“Em termos absolutos, essa categoria movimenta aproximadamente R$ 5,6 bilhões por ano”, disse.

Segundo ele, isso acontece não apenas por serem bebidas de preço mais baixo e mais acessíveis do ponto de vista do consumo – não são “encorpados”, por exemplo -, com grande apelo de mercado, mas porque houve um trabalho que descreveu como “sério” das vinícolas em melhorar o produto oferecido.

Além disso, o paladar médio do brasileiro tende a preferir bebidas mais adocicadas, o que fortalece o setor e faz com que mesmo produtores de vinhos finos queiram atrair esses consumidores.

E assim, dessa forma, o perfil de consumo do vinho de mesa tem mudado no Brasil, de modo que se aceita que esse também pode ser um vinho “premium”.

Leia também: Do vinho de entrada ao luxo: como a Concha y Toro se tornou líder em vendas no Brasil

Diferenças entre as uvas

Apesar do estigma, o termo vinho de mesa não se refere à qualidade, mas, sim, ao tipo de uva e ao processo produtivo envolvido no preparo da bebida.

No Brasil, trata-se de uma categoria definida pela legislação que se diferencia do vinho fino.

A versão “de mesa” é elaborada a partir de uvas americanas ou híbridas, como Isabel, Niágara e Concord, que tradicionalmente são consumidas puras e que possuem maior acidez e menor teor de açúcar.

Já o vinho fino é produzido exclusivamente com uvas vitis vinifera, de origem europeia, como Cabernet Sauvignon, Merlot e Chardonnay, tradicionalmente associadas à produção de bebidas de maior complexidade aromática e gustativa.

Leia também: Vinho precisa ser caro? ‘Coração do mercado’ no Brasil vai até R$ 50, segundo o GPA

A categoria de vinhos de mesa, tradicionalmente associada ao garrafão e ao consumo diário de imigrantes italianos no Sul do Brasil, mudou.

Segundo Galtaroça, os produtores compreenderam que mesmo o consumidor popular busca um produto que sirva a ocasiões especiais. E assim ficou para trás – ou pelo menos se pretende que haja essa evolução com o tempo – a percepção de bebidas de baixa qualidade e que dão muita dor de cabeça no dia seguinte.

“Os produtores de vinho de mesa passaram a transformar o que era o vinho de garrafão em garrafas mais elaboradas, com rótulos mais bem cuidados, mais elitizados”, disse. Além da apresentação, houve evolução em termos de qualidade. “Sem dúvida, o vinho de mesa evoluiu”, afirmou.

Um dos fatores que levou a isso, segundo ele, é que o consumidor médio não faz distinção entre as categorias.

“O consumidor de vinho de mesa não sabe a diferença de um vinho de mesa para um vinho fino. Para ele, é tudo vinho.”

Esse consumidor, segundo Galtaroça, está majoritariamente na classe C. Para ele, a ausência de distinção entre tipos de uvas ou processos de produção não compromete a experiência.

Atenção de vinícolas

Esse fenômeno tem levado grandes vinícolas estrangeiras a responder à força do vinho suave no mercado brasileiro com produtos mais alinhados a esse paladar mais “simples”, enquanto importadores buscam alternativas para ganhar participação.

Leia também: Garrafa de até R$ 10 mil: Por que os melhores vinhos são mais caros

“No Chile, vários vinhos com nova terminologia estão sendo lançados: a Concha y Toro lançou o Reservado Sweet, Portugal faz o mesmo com o Casal Garcia, que tem versões mais doces, e a Itália promove bem os vinhos feitos com a uva Primitivo.”

Esses vinhos buscam atrair o público que prefere bebidas com maior resíduo de açúcar, característica comum aos vinhos de mesa brasileiros.

Esse perfil de consumo que busca atribuir um perfil mais elitizado ao vinho de mesa também vem sendo aproveitado por produtores voltados ao público enófilo.

Projetos como o Tão Longe Tão Perto têm valorizado vinhos feitos com uvas americanas e híbridas por pequenos produtores brasileiros e apresentado esses rótulos como de alta qualidade mesmo para conhecedores da bebida.

“Quando há um nome forte por trás de uma marca, isso ajuda a quebrar o preconceito”, afirmou.

“O papel da transformação do vinho de mesa também nessa elitização vai abrir novos mercados, criar novos consumidores que estarão dispostos a provar; e, provando, vão se surpreender com o avanço de qualidade dessa categoria.”

Para Galtaroça, essa transformação tem papel estratégico para a sustentação do mercado no longo prazo, dado que, em geral, o consumo de vinho no Brasil ainda é concentrado em um público mais velho.

“Se não conseguir ganhar um público mais jovem ao longo dos anos, o país está fadado a não contar mais com o mercado de vinho no futuro”, disse.

Na avaliação de Galtaroça, não se trata de substituir o vinho fino pelo de mesa, mas de reconhecer a função de cada um no ciclo de consumo.

“Dentro de cada categoria, há uma transformação, há uma elitização possível”, disse. “O vinho de mesa tem a sua importância dentro do seu nicho, dentro da sua categoria.”

O executivo disse defender uma visão mais pragmática.

“Tem consumidor que anda de Ferrari, tem consumidor que anda de Lamborghini, mas a grande massa da população anda no carro popular. Anda de moto. Mas anda”, afirmou ao recorrer à analogia com o mercado automotivo.

“O importante é que as pessoas consumam vinho. E depois, dentro das possibilidades de cada um, que desenvolvam suas habilidades ou percepções de qualidade.”

Leia também

Por que o Brasil entrou no radar de grandes produtores de vinhos do mundo

Na Ambev, investimento em marcas premium alavanca volume recorde de vendas



Bloomberglinea

Compartilhe este artigo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *