Tenho estado mais próximo do universo hospitalar pediátrico, agora como pai. No mínimo, mais atento ao que posso encontrar, em caso de necessidade.
Nesse contexto, tomei conhecimento de um programa de medicina hospitalista (MH) que, embora ainda bastante incipiente do ponto de vista evolucionário, mostra-se promissor por estar inserido em um hospital de padrão incomum. A maioria dos profissionais mantém atividade também em consultório e, como grupo, forma uma espécie de coletivo dividido entre esses dois mundos — onde possuem inclusive consultórios juntos. No hospital, há sempre, durante o dia, um médico por turno disponível à enfermaria — e a escala costuma se ajustar a qualquer compromisso externo previamente assumido por eles.
Fico me perguntando: será que nunca pararam para pensar que poderiam se organizar diferente? Uma forma que evitasse tamanha fragmentação no hospital e, ao mesmo tempo, ajudasse a estruturar melhor o contexto ambulatorial e até mesmo a vida além da carreira?
Maior fragmentação no hospital, não custa lembrar, é sinônimo de:
- Aumento do risco de eventos adversos relacionados ao cuidado;
- Redundância de exames e condutas, por falta de conhecimento acumulado sobre o caso;
- Ausência de uma narrativa clínica coerente, com decisões reavaliadas ou revertidas sem compreensão clara do raciocínio anterior;
- Despersonalização do cuidado, afetando a confiança do paciente e da família;
- Diluição da responsabilidade clínica: a cultura do “eu só estou cobrindo” leva à omissão em decisões críticas ou à hesitação diante de incertezas.
Nos Estados Unidos, para minimizar fragmentação e suas consequências, é comum que hospitalistas se organizem em blocos do tipo 7in/7off ou 14/14. Quando os profissionais atuam aqui sob regime CLT, modelos semelhantes enfrentam até mesmo restrições constitucionais. Já como PJ, persiste o receio — fruto da instabilidade jurídica — de que a justiça venha a reconhecer vínculo empregatício, aplicando cálculos retroativos como se celetistas fossem.
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Mas o que impede, afinal, médicos brasileiros pagos diretamente pelos convênios — independentes, portanto — de adotarem modelos melhores do que um em que vários médicos diferentes passam visita para o mesmo paciente hospitalizado, sem que se possa sequer justificar isso como um “preço a pagar” por consultórios melhores e mais eficientes?
Considerando que a atuação hospitalar se dá por meio de pagamento direto das operadoras ou de pacientes particulares (como é o caso do grupo que estou utilizando de exemplo), nada impediria que se estruturassem blocos de 7, 10 ou até 14 dias dedicados exclusivamente ao hospital ou ao consultório — como fazem os hospitalistas norte-americanos. Lá, apenas, o tempo fora das enfermarias costuma ser preenchido com pesquisa, tarefas administrativas ou mesmo descanso/lazer — uma possibilidade que surge quando se trabalha integralmente em um único local ou sistema.
Na perspectiva ambulatorial pediátrica brasileira, por sua vez, também há espaço para arranjos mais funcionais. Considerando que um acompanhamento mensal no primeiro ano de vida — ou quinzenal, em alguns casos — costuma ser suficiente para a maioria das crianças, ausentar-se do consultório por alguns dias não necessariamente comprometeria o cuidado. E sejamos honestos: mesmo que pediatras aleguem que sim, que não podem se ausentar por 7, 10 ou 14 dias, a verdade é que nós, pais, raramente já conseguimos encaixar com facilidade ou agilidade consultas adicionais às regulares de puericultura.
Uma organização diferente poderia facilitar atendimentos ambulatoriais por demandas menos previsíveis — ou seja, melhorar o acesso dos pacientes à atenção primária, minimizando visitas às Emergências ou PSs, sempre superlotadas no inverno. Isso seria especialmente viável se esses profissionais também atuassem como equipe no ambiente ambulatorial, onde já dividem custos e nome-fantasia da clínica. Poderiam, da mesma forma que no hospital (onde sabemos que fragmentação zero é irreal), ajudar-se mutuamente também em situações clínicas excepcionais.
Por que, então, sequer cogitamos esse tipo de organização em blocos, mesmo quando há total viabilidade? Um modelo mais bem estruturado, com rodízios menos aleatórios e maior responsabilidade longitudinal nas duas pontas — hospitalar e ambulatorial — não poderia beneficiar a todos?
Não só acredito que sim, como estou convencido de que isso geraria espontaneamente uma maior separação entre enfermarias e consultórios, além de estimular o surgimento de mais hospitalistas pediátricos brasileiros em tempo integral. E talvez tenha ficado claro, pelos exemplos acima, que no Brasil os entraves não são apenas jurídicos ou regulatórios — falta, também, imaginação. E desprendimento para abandonar o conforto do “sempre foi assim”.
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