tendência movimenta bilhões e ganha força no Brasil

Bloomberg Línea — O que começou como um movimento de resistência à industrialização do vinho se tornou um mercado em expansão global — e o Brasil não ficou de fora.

Neste fim de semana, mais de 3.000 pessoas devem se reunir em São Paulo para a celebração anual desse tipo de bebida na Feira Naturebas, considerado o maior evento do setor na América Latina.

“Vivemos a era do boom do conceito de vinho natural”, disse Lis Cereja, organizadora do evento, fundadora da Enoteca Saint Vinsaint e uma das pioneiras do movimento no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.

“Hoje em dia é bem visto beber um vinho natural, comer alimento orgânico, o que está tomando uma força muito grande para o bem e para o mal”, afirmou, em uma crítica indireta ao apelo de marketing relacionado à bebida.

Com consumidores cada vez mais atentos à sustentabilidade e à procedência dos alimentos, o vinho natural deixou de ser um produto marginal e passou a integrar um ecossistema de negócios que movimenta bilhões de dólares no mundo.

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A ideia de vinho natural é controversa e não tem uma definição consensual, mas em geral se refere a uma bebida feita a partir de uvas cultivadas sem agrotóxicos, com fermentação espontânea e mínima intervenção tecnológica ou adição de insumos enológicos.

Não existe uma certificação única global, o que diferencia esse segmento dos vinhos orgânicos e biodinâmicos — mas os três compartilham o apelo à produção limpa e ao chamado consumo consciente.

Apesar do crescimento, o vinho natural ainda representa menos de 10% do mercado global de vinhos. “Ainda é muito nicho”, afirmou Lis, “mas vem crescendo no mundo inteiro.”

Segundo estimativas de mercado apresentadas por Lis Cereja, os vinhos ditos naturais movimentaram no mundo entre US$ 10 bilhões e US$ 11 bilhões em 2023, com projeções de crescimento para até US$ 27 bilhões até 2030.

O segmento deve alcançar uma fatia entre 3% e 8% do mercado global, com taxa de crescimento anual entre 10% e 12%.

Embora não existam estatísticas oficiais específicas sobre vinhos naturais no Brasil, estima-se que o mercado brasileiro de vinhos orgânicos tenha movimentado cerca de US$ 114,8 milhões em 2023, com crescimento anual de 9,6%, segundo a consultoria Grand View Research.

Cereja disse que acompanhou esse crescimento nos últimos anos com a sua enoteca e com a Feira Naturebas.

“Nós vimos o movimento ganhar força como algo mais underground e depois como uma tendência de mercado e de comportamento e de moda”, disse. “Tivemos que inventar uma feira que não existia para que o mercado crescesse. Desde 2013, vimos a demanda mais do que dobrar a cada ano”, explicou.

No Brasil, essa transformação se consolidou com o Naturebas. Criado em 2013, o evento começou com 20 expositores e cem visitantes. Em 2024, chegou a reunir mais de 160 produtores e 3.000 participantes.

Neste ano, a feira acontece no Pavilhão da Bienal do Ibirapuera, em São Paulo, com a expectativa de receber mais de 170 produtores de 14 países e cerca de 3.000 visitantes.

Além da edição principal em São Paulo, a organização planeja eventos sazonais em outros estados. “Em 2026 devemos ter uma feira de inverno em Minas Gerais e uma de verão no Rio de Janeiro.”

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Além de exposição e degustação, a feira é uma oportunidade concreta de negócios. “Já tivemos produtores que venderam 600 garrafas, e outros que venderam R$ 20.000, R$ 30.000, até R$ 60.000 em um fim de semana. Muitos fazem o equivalente ao faturamento de um ano ali.”

Para ela, entretanto, esse crescimento representa também um risco de esvaziamento do significado original do movimento, que surgiu como crítica ao modelo industrial: “O que vivemos hoje no vinho natural é alvo que muitos esquecem que é um movimento de resistência e que vêem só como moda e comportamento”.

De resistência a mainstream

O movimento dos vinhos naturais começou nos anos 1980, principalmente na região de Beaujolais, na França, como reação ao avanço da agroindústria e à padronização da produção vitivinícola, segundo o organizadora.

“Nasceu como contestação, como resistência. Queríamos mostrar que dá para fazer vinho de outra maneira, que não industrializada”, disse.

A adesão crescente de consumidores aos produtos sustentáveis transformou a resistência em mercado que poderia ser desenvolvido.

“Vivemos em um mundo capitalista. Para sobreviver e crescer, o movimento teve que sair do âmbito de movimento agrícola de resistência”, disse.

“As grandes vendas dependem de importação e exportação, e precisamos entrar no jogo comercial do próprio sistema que contestamos.”

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Isso fica evitende na Naturebas, que Cereja explicou que sempre foi pensada como um espaço de compra e venda direta.

“O produtor sobrevive com a venda. Não participamos delas, e os produtores vendem direto para o consumidor.”

A estratégia elimina intermediários e aproxima produtores e consumidores, promovendo um modelo de consumo mais transparente e sustentável.

Ao se inserir no mercado, no entanto, o vinho natural assume acontradições da lógica que antes rejeitava. Mas continua, para muitos de seus produtores e consumidores, carregando a semente de uma crítica.

“Hoje mais do que movimento de resistência, é um movimento de mercado e uma tendência social, política e também ambientalista e de comportamento.”

No centro do crescimento está a transformação da percepção do que é vinho e de como ele deve ser consumido. “Nossa forma de consumir está errada”, afirmou Lis Cereja.

“A análise não é dizer que o alimento natural é mais caro, mas entender por que o alimento industrializado é tão barato.”

A crítica à lógica de consumo também é parte central do discurso do movimento. “Pensar que o vinho industrial é o único que serve para vender barato é errado”, afirmou.

“Uma garrafa de R$ 30 que atravessou um oceano não se justifica. Tem muitos aditivos para permitir que o produto custe esse valor. É como comparar um tomate fresco e um ketchup, ou uma laranja e um suco industrializado de caixinha”, disse.

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