Segurança vira ponto central na era de agentes de IA, diz presidente da IBM Brasil






Depois de anos de testes, a inteligência artificial (IA) começa a viver uma nova fase no ambiente corporativo. De acordo com Marcelo Braga, executivo da IBM Brasil, o mercado está deixando para trás a era dos chatbots para entrar na era dos agentes autônomos de IA. Compliance e segurança de dados agora entram na pauta.

Segundo Braga, essa transição marca um ponto de inflexão no uso da tecnologia, com impactos diretos sobre produtividade, custos operacionais e formas de liderança. “Estamos falando de processos que antes levavam dias e agora podem ser executados em minutos”, disse em entrevista ao InfoMoney Entrevista. A tendência, de acordo com o executivo, é que todas as áreas das empresas, e não apenas a de tecnologia, passem a desenvolver e operar seus próprios agentes de IA.

No entanto, a adoção em larga escala traz novos desafios. A orquestração de diferentes sistemas, a governança de dados e o cumprimento de normas como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entram definitivamente no centro do debate. Braga alerta que “a IA não conhece a LGPD”, e que cabe aos gestores definir quais dados podem ser usados, por quais agentes e com que finalidade.

Continua depois da publicidade

A IBM, que há anos reposicionou sua atuação para o modelo B2B, aposta na sua capacidade de orientar políticas corporativas e de governança para se manter na mente dos clientes. “No final do dia, o conselho só aprova um projeto se ele tem retorno, se o risco está adequado e os requisitos corporativos forem atendidos”, pontua.

Além da IA, a empresa também aposta no potencial da computação quântica para transformar setores como saúde, segurança e finanças. Neste ano, a IBM anunciou o investimento de US$ 150 bilhões em computação quântica para o ciclo dos próximos cinco anos. No Brasil, já tem parcerias com bancos dentro da sua Quantum Network.

Para o executivo, há uma janela de oportunidade para que o Brasil se torne um hub regional de inovação, principalmente devido à competitividade da matriz energética na atração de infraestrutura de computação em nuvem. “Ter protagonismo nessa nova economia é super significativo. Essa não é uma discussão para daqui a dez anos. Ela está acontecendo agora”, diz.

Continua depois da publicidade

Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Marcelo Braga ao InfoMoney Entrevista:

InfoMoney: O que ouvimos conversando com executivos de tecnologia é que estamos saindo de uma era de experimentação e passando para uma era de agentes de inteligência artificial. O que isso significa?

Marcelo Braga: Talvez a gente tenha dado essa popularidade para IA aqui no Brasil há mais ou menos uns dez anos atrás, quando desenvolvemos os primeiros casos locais aqui no país. E a diferença do que tinha para o que temos hoje é que antes chamávamos de assistentes de IA os famosos chatbots de pergunta e resposta. Tirava dúvidas de procedimentos, tirava dúvidas sobre um produto, um sistema. Mas era: você perguntava, a IA respondia. E essa coisa foi evoluindo a ponto de ter todos os grandes bancos hoje usando tecnologia de IA para atender seus clientes, muitos serviços públicos são prestados usando inteligência artificial, mas muito no estilo “eu perdi o meu boleto para pagar uma conta. Me envie a segunda via”.

Continua depois da publicidade

O que está acontecendo agora é uma evolução nessa discussão do que era uma pergunta e resposta, uma capacidade de entender o que é perguntado, uma técnica que se chama desambiguação, é a IA entender o que o usuário quer dizer com uma pergunta ajudá-lo. Agora, a gente entra com: entender o que você quer e automatizar as coisas.

Então, em vez de simplesmente pedir a segunda via do boleto, ele autentica, faz a transação e está resolvido o problema. Você perdeu um cartão? Ele emite a segunda via de forma prática. Você queria fazer um investimento? Tem transações acontecendo ali em qualquer canal que seja.

Os agentes têm uma capacidade de tomar decisão, de pegar processos e quebrar em subprocessos. Veja o exemplo de uma viagem a trabalho: você marcou na sua agenda que tem um compromisso em tal cidade, em tal horário. Então você pode ter uma tarefa que é organizar a tua viagem.

Continua depois da publicidade

Vai ter um agente que vai poder olhar, por exemplo, qual é o melhor hotel para você ficar mais perto, mais barato, segundo as regras da empresa que você trabalha, qual é a rede conveniada, qual é o mais fácil. Vai ter um outro que vai olhar a passagem aérea e vai olhar o melhor horário, o que é mais conveniente com você, como é que encaixa na sua agenda. Um outro agente vai cuidar da sua logística: melhor ir de Uber, melhor pedir um táxi, melhor alugar um carro.

IM: A IBM já colheu alguns resultados do que os agentes podem promover na empresa, seja em termos de retorno sobre investimento, sobre agilidade que esses agentes dão à operação. O que você pode falar sobre o que vocês têm visto dos agentes funcionando em contextos corporativos usando aplicações da IBM?

MB: IA não é uma tecnologia que vai resolver todos os problemas. Então, na nossa experiência, é muito sobre integrar ecossistemas, integrar sistemas e integrar processos. Todas as empresas têm um sistema de faturamento, de CRM, de ERP, seus sistemas internos.

O que nós percebemos? Essa integração e essa orquestração de tantos sistemas era algo que custava muito caro e levava muito tempo para fazer modernizações ou troca de sistemas. Era um projeto de meses ou anos.

Agora é diferente. Imagine que essas interações vão ser cada vez mais em linguagem natural. Para criar um relatório de vendas para uma determinada região, por exemplo, em vez de ter saber onde é que fica o menu, onde está o relatório e qual dos diversos deles deve ser escolhido, agora é possível entrar em um campo de texto e falar que queria olhar a performance de vendas do produto X por região, por vendedor. E isso é gerado na hora.

Projetos de IA são iguais a qualquer projeto em qualquer empresa. Tem que ter retorno, tem que mostrar eficácia, tem que mostrar produtividade, e a IA talvez seja uma das tecnologias que não faz isso apenas de forma incremental. Processos, textos, análises que demorariam dias podem durar minutos.

As empresas simplesmente vão ter uma possibilidade de atender muito melhor, de produzir muito mais, de reduzir muito mais custo. E uma mudança da forma como se lideram as empresas, como se lideram as pessoas, como se orquestra o ecossistema corporativo como um todo.

IM: Essa orquestração de inteligência artificial passa por colocar para dialogar agentes de diversos fornecedores. A gente fala sobre multi-agentes, agentes variados. Como isso vai funcionar e quão preparadas as empresas estão para orquestrar tantos agentes de fornecedores diferentes? Qual é o desafio do ponto de vista de dados, de segurança, de conseguir fazer isso?

MB: Qualquer processo envolve múltiplas instâncias, múltiplas empresas, múltiplos sistemas, múltiplas tecnologias enquanto estava em experimentação, como nos dois últimos anos, era um problema menor em termos de escala.

Agora que qualquer área, seja marketing, RH, finanças, consegue fazer o seu próprio agente de IA, e não mais apenas o setor de tecnologia, essa disciplina de orquestração e de governança passou agora a estar no centro dessa discussão.

Primeiro, começaram a ter mais padronizações de como esses agentes trabalhariam. Há pouquíssimo tempo atrás, isso não estava tão padronizado, não era simples de ser feito.

Entram duas coisas aqui que também sempre me chamaram muito a atenção: a IA não conhece a LGPD, então a responsabilidade de quais dados entregar, para quem e com qual finalidade, o tripé básico da LGPD, é uma responsabilidade do gestor.

Agora, as IAs tem uma interface entre si. Então, se uma só tinha direito a olhar informações de RH, a outra só olhava informação de vendas, você imagina se uma começa a interagir com a outra?

Esses eram predicados que estavam sendo observados só nas grandes corporações, que normalmente são mais conservadoras na adoção de tecnologia. Esse é o tema do momento.

Aí vem outro desafio gigante das empresas: com tantos modelos novos disponíveis, escolher a melhor para fazer qual tarefa é um negócio super importante. Para atendimento ao cliente, provavelmente será necessária uma IA que chamamos de SLM — um modelo de linguagem menor — porque ele atende de forma mais precisa e com um custo mais adequado para interagir com milhões ou milhares de clientes. Para usar uma IA em um departamento jurídico, será necessária uma IA mais ampla, mais sofisticada, em termos de composição da sua estruturação.

IM: Estamos falando basicamente sobre a utilização de inteligência artificial em empresas. Nos falamos poucas semanas depois do Think da IBM, um evento anual, e lá o CEO global, Arvind Krishna, reforçou o posicionamento da IBM como uma empresa de serviços B2B. Do ponto de vista estratégico, o que isso significa para a companhia?

MB: Nós decidimos ser uma empresa B2B já tem bastante tempo. Tínhamos PCs, notebooks, uma série de tecnologias que tocavam as pessoas dentro de casa ou a marca diretamente ali no que elas consomem. Você usava um computador IBM, você usava um notebook da IBM.

Ao entrar no mundo B2B, fomos para uma discussão de como empoderamos as empresas a fazemos o seu melhor para os seus clientes. Óbvio, tem uma discussão de marca e posicionamento de marca que sempre é uma discussão: quem está tocando o universo de consumidor final tem um mindshare mais explícito.

Mas, por outro lado, na hora que as empresas precisam de ajuda para montar suas políticas corporativas, seus modelos de governança, é quando nós nos posicionamos.

A gente tem os nossos próprios modelos de LLM, que a gente acredita serem eficientes, serem focados para trazer resultado em menor custo de treinamento. Então, no final, é uma proposta de valor de como ajudamos as empresas a acelerarem a adoção de IA, mas com os requisitos corporativos atendidos. Porque no final do dia, o conselho só aprova um projeto se ele tem retorno, se o risco está adequado, se o risco de imagem, o risco de dados for cumprido.

IM: Recentemente, o ministro Fernando Haddad viajou à Califórnia para conversar com grandes empresas de tecnologia. E a ideia é que o Brasil consiga atrair investimento para datacenters de até R$ 2 trilhões junto a uma pauta de desoneração. Como a IBM enxerga isso do ponto de vista de computação em nuvem, do ponto de vista de infraestrutura para inteligência artificial? Onde o Brasil pode se posicionar globalmente como um hub de computação?

MB:
Temos uma matriz energética extremamente privilegiada. Uma matriz que é limpa, abundante em algumas regiões. Isso pode ser um diferencial competitivo para o Brasil.

Ao atrair mais investimentos, ao ter mais capacidade computacional instalada aqui, não é sobre fazer um prédio especializado para ter uma capacidade de energia, ar-condicionado e espaço para hospedar muitos servidores, mas ao trazer esse tipo de tecnologia para cá numa escala maior, automaticamente o ecossistema se desenvolve.

Vai ter mais pesquisa, mais desenvolvimento, mais atratividade das pessoas para a área de tecnologia, que é uma área que ainda tem um déficit significativo de possibilidade de carreira e desenvolvimento.

A discussão de IA não é uma discussão que vamos olhar em 5, 10 anos, é muito mais rápida. Ter um protagonismo nessa nova economia que está sendo criada é super significativo, uma janela de oportunidade que temos que caputrar

IM: A ONU considera 2025 o ano da ciência da tecnologia quântica, ao mesmo tempo que a IBM, nesse mesmo ano, divulgou que pretende investir US$ 150 bilhões para o desenvolvimento dessa tecnologia no ciclo dos próximos cinco anos. Mas, afinal, o que é a computação quântica?

MB: Isso virou o tema do momento. Sempre quando estamos no pico de uma onda, está todo mundo já olhando para a próxima. O primeiro ponto importante de se desmistificar é que não se trata de um novo tipo de computação, um novo tipo de computador que vai substituir o que existe hoje.

É mais uma tecnologia que vai se somar a essa sobreposição de ondas. Então, o computador quântico ou a computação quântica, ela é muito boa em fazer análises probabilísticas e fazer formas de cálculos de um jeito que a computação clássica não conhece ou não consegue fazer. Abre espaços, principalmente para campos de física e química, porque consegue trabalhar interação de novas moléculas, formas de desenvolvimento de novos medicamentos, criação de novos componentes químicos, inviáveis ou muito caros na computação tradicional.

No horizonte de quatro anos, imaginamos que já vão ter resultados palpáveis de moléculas simples de medicamentos sendo desenvolvidas usando a computação quântica como base. Imagine o salto que damos em novos tratamentos, novos medicamentos, um novo nível de saúde, de segurança e de desenvolvimento de novos componentes.

Agora, a computação quântica tem as suas particularidades. O primeiro é refrigeração. O processador quântico trabalha em uma temperatura extremamente baixa. É mais frio do que o espaço sideral, é quase perto do Zero Kelvin, que fisicamente é o zero absoluto, é a coisa mais fria que se consegue calcular. O desafio é físico, é quântico de fato.

E deixa de ser ficção científica. Começamos a olhar horizontes que não são mais de dezenas, mais de poucos anos, 3 ou 4 anos para ter coisas palpáveis no dia a dia. Já há vários computadores quânticos implementados e essa capacidade de aumento de poder de processamento, o roadmap do desenvolvimento dessa tecnologia nos próximos anos.

IM: Em termos comerciais, hoje a IBM já começa a testar computadores quânticos junto a companhias, também em laboratórios, universidades. Quais têm sido essas aplicações?

MB: Cada vez mais é um mundo mais integrado, mais colaborativo, mais em ecossistema. A forma como usamos a computação quântica hoje é através de uma rede de pesquisa, chama Quantum Network, e tem vários, são mais de 230 participantes dessa Quantum Network, que vai desde faculdades, universidades, pesquisa, mas muitas empresas aqui dentro.

Aqui no Brasil tem o Bradesco e o Itaú fazendo parte da Quantum Network, olhando a parte de segurança de transações bancárias e como se protege, se a computação quântica tem esse poder muito elevado de testar hipóteses, a parte de segurança é uma das principais impactadas.

Então, como se prepara hoje o sistema financeiro brasileiro para ser Quantum Safe? Várias tecnologias estão sendo discutidas agora, aqui no Brasil, para ter esse nível de evolução. São subgrupos que vão se dividindo, seja para olhar segurança, seja para olhar novos materiais, seja para olhar medicamentos, é uma troca entre a universidade, entre a academia, entre as empresas e os governos, para que esse acelerar de inovação aconteça de uma forma mais rápida do que cada um olhando o seu dentro da sua capacidade.

IM: Essa questão da capacidade dos computadores quânticos terem impacto em sistemas financeiros é uma das grandes preocupações. No fim das contas, um computador quântico seria capaz de, por exemplo, descriptografar coisas que a gente não consegue hoje em um período tão breve. Como se avalia esse risco?

MB: A computação quântica vai estar disponível. Aliás, já temos vários computadores quânticos disponíveis para serem testados e experimentados através da nossa nuvem. Qualquer empresa — ou qualquer pessoa, na verdade — pode começar a brincar com computação quântica. Óbvio, a quantidade de qubits [unidades de bit quantica], que é o poder computacional da computação quântica, hoje é relativamente limitada para esses experimentos.

Mas tem, pelo menos, já cinco algoritmos de proteção de criptografia Quantum Safe. Quatro deles nós desenvolvemos e publicamos para a comunidade como um todo. Mas essa é uma área de atenção, até porque são vários sistemas, vários fornecedores, várias interações globais de segurança, de informação. Então, essa é uma das principais áreas que as empresas fora do ramo químico, físico e de desenvolvimento de moléculas e interações, estão olhando de forma mais atenta.

Fonte: Info Money

Compartilhe este artigo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *