Com o projeto de lei (PL) que introduz uma taxa mínima do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem ganha mais de R$ 600 mil entre as prioridades da Câmara neste segundo semestre, um estudo publicado hoje mostra que os super-ricos viram seus rendimentos crescer ainda mais rapidamente após a pandemia de Covid-19, levando a uma maior concentração de renda.
De 2017 a 2023, a renda dos brasileiros que estão no grupo dos 0,1% mais ricos — cerca de 160 mil pessoas, porque os cálculos consideram as pessoas de 18 anos ou mais — cresceu a uma média de 6,9% ao ano, enquanto o rendimento médio de todos avançou apenas 1,4% ao ano. Com isso, a porção do rendimento total apropriado pelo 0,1% mais ricos passou de 9,1%, em 2017, para 12,5%, em 2023.
Os dados mostram forte concentração no topo: o 1% mais rico — 1,6 milhão de pessoas — ficou com 24,3% do total de rendimentos em 2023, ou seja, metade disso fica apenas com o grupo de 0,1%.
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Nas contas do estudo, publicado no site Fiscal Data — incluindo um simulador sobre a pirâmide de renda —, para entrar no grupo de 1% mais ricos é preciso ganhar mais de R$ 417 mil ao ano. No grupo de 0,1%, o mínimo de rendimento anual é de 1,754 milhão.
Inflação e lucros
Para o economista Sérgio Gobetti, assessor da Secretaria de Estado de Fazenda do Rio Grande do Sul e coautor do estudo, com Frederico Nascimento Dutra e Priscila Kaiser Monteiro, o crescimento dos rendimentos no topo e o aumento da concentração podem ser efeito da inflação pós-pandemia — as empresas aproveitaram para engordar os lucros — e reforçam a urgência do aumento da tributação sobre os super-ricos, especialmente por causa da isenção sobre os dividendos.
Pelas regras atuais, os dividendos, principal forma de repasse do lucro das empresas para seus sócios ou acionistas, são completamente isentos do pagamento do IRPF.
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O estudo mostra que o principal componente que puxou o salto do rendimento médio dos super-ricos de 2017 a 2023 foi o pagamento de lucros e dividendos. As rendas de salários e benefícios até recuaram — um sinal, segundo Gobetti, de “pejotização”, quando profissionais liberais de elevada qualificação constituem empresas para receber a remuneração pelo trabalho via prestação de serviço, no lugar do salário formal via carteira assinada.
— Isso redobra a importância de se mudar o tratamento tributário que é conferido a lucros e dividendos. Torna mais latente a premência de uma reforma. Ainda mais quando a gente olha para todo o resto do mundo. Na última década, o movimento da maioria das economias do mundo foi de aumentar a tributação de dividendos no nível da pessoa física e de reduzir a tributação do lucro no nível das empresas — disse Gobetti.
Concentração do agronegócio
Um recorte regional dos dados aponta também para uma elevada concentração de renda associada ao bom desempenho do agronegócio. Desde a pandemia, uma combinação de cotações de grãos em alta com desvalorização do câmbio elevou os rendimentos dos produtores em reais.
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Em Mato Grosso, destaque na produção de grãos, a parcela da renda total estadual apropriada pelo 0,1% mais rico local praticamente dobrou, de 9,7% em 2017 para 17,4% em 2023.
Gobetti chamou a atenção para o fato de que o estudo corrobora as estimativas, já divulgadas pelo Ministério da Fazenda, de que uma quantidade relativamente pequena de contribuintes será atingida pela taxa mínima do IRPF proposta no PL enviado ao Congresso.
— Quando a gente olha para o número de pessoas que estão acima dos R$ 600 mil (de renda anual), que seriam passíveis do imposto mínimo, temos no Brasil de 600 mil a 700 mil pessoas. Pelas estimativas que foram divulgadas pela Receita, apenas 140 mil dessas pessoas seriam atingidas. Uma grande parte dessas pessoas já está cumprindo o mínimo de 10%. Isso é o mínimo do mínimo — completou Gobetti.
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Essas estimativas foram feitas com base no PL original enviado ao Congresso pelo governo. Segundo cálculos dos pesquisadores Guilherme Klein Martins e João Pedro de Freitas Gomes, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da USP, o parecer do relator do PL na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da casa, não alterou significativamente os resultados.
O estudo de Gobetti, Dutra e Priscila usa dados das declarações do IRPF, da Receita Federal, para medir o rendimento dos mais ricos — para captar informações sobre a renda dos mais ricos, os dados tributários são considerados mais precisos do que os das pesquisas domiciliares, como a Pnad Contínua, do IBGE.
Nas contas do estudo, com os dados administrativos do IRPF, a renda total do 0,1% mais rico da população adulta é 12 vezes maior do que o indicado na Pnad, feita por amostragem, com base nas informações passadas em entrevistas.
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Pobreza em queda
A divulgação mais recente da Pnad Contínua sobre os rendimentos de todas as fontes, divulgados em maio, mostrou crescimento da renda em 2023 e 2024. O avanço foi mais acelerado entre os mais pobres.
À época, tanto o IBGE quanto especialistas creditaram o desempenho a uma combinação da consolidação do Bolsa Família com um benefício maior — após a majoração de 2022, durante a campanha eleitoral para presidente — com o bom momento do mercado de trabalho.
Com base nos dados, o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social) estimou que 6 milhões de pessoas deixaram a situação da extrema pobreza em 2023 e 2024. Nos cálculos do IBGE, a desigualdade caiu no ano passado.
Segundo Gobetti, os números na base da pirâmide, sobre a redução da pobreza, refletem a realidade, mas quando as contas incluem os dados do IRPF sugerem que, no agregado total da renda, a desigualdade se mantém:
— O índice de Gini (calculado pelo IBGE) não está vendo o movimento da renda dos mais ricos, ou está subestimando esse movimento. Ele está vendo que a renda dos mais pobres cresceu, e cresceu mais do que a renda da classe média. Isso traduz uma queda de desigualdade, mas ele não está vendo o que é que está acontecendo no topo.
Simulador de posição na pirâmide de renda
Conforme especialistas já consultados pelo GLOBO, a subestimação ocorre por três motivos principais: as pessoas que ganham mais tendem a evitar informar valores precisos para o entrevistador, as pessoas sabem melhor quanto ganham de salário do que quanto ganham de fontes como dividendos, rendimentos de aplicações e aluguéis e, como o total de pessoas no topo da pirâmide é menor, a pesquisa por amostragem perde precisão para esse grupo.
Segundo Gobetti, no grupo de pessoas que ganham até no máximo R$ 3 mil por mês por pessoa, cerca de 80% da população, os dados do IRPF e da Pnad Contínua coincidem. Metade da população brasileira ganha em média menos do que o equivalente a um salário mínimo por mês, disse o economista.
Para quem está no grupo dos 20% mais ricos, o estudo desenvolveu uma ferramenta que simula a posição de cada um na pirâmide de renda, na plataforma Fiscal Data. No site, o usuário informa sua renda, que pode ser aproximada ou exatamente como foi registrada na declaração do IRPF, e descobre em qual grupo de renda está no país.
Fonte: Info Money