A corrupção na saúde não é apenas uma violação da lei. É uma ameaça direta à vida das pessoas. Cada recurso desviado representa um leito hospitalar a menos, um medicamento que não chega ao paciente, um tratamento adiado. Para enfrentar esse problema de maneira eficaz, é preciso mais do que indignação: é necessária vigilância contínua, informação de qualidade e participação ativa da sociedade. Foi com esse espírito que o Instituto Ética Saúde (IES) lançou o Radar da Ética, uma ferramenta institucional e permanente dedicada ao monitoramento de investigações e processos relacionados a práticas ilícitas no setor da saúde.
O Radar da Ética tem o propósito de acompanhar constantemente casos públicos — inquéritos, ações cíveis e criminais — com indícios de corrupção, fraudes ou má gestão na saúde pública e privada. Queremos garantir que esses processos não caiam no esquecimento ou se percam na morosidade do sistema judiciário. Ao dar visibilidade a esses casos, o IES reafirma seu papel como agente ativo na promoção da ética, integridade e transparência em um setor essencial à sociedade.
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A ferramenta é operada sob a coordenação direta do responsável pelo Departamento de Ética e Integridade do Instituto Ética Saúde, que lidera todas as fases do processo de apuração e validação com apoio técnico especializado da equipe do Núcleo Técnico de Ética e Integridade. Essa estrutura institucional assegura a adoção de critérios rigorosos de curadoria, análise jurídica e técnica, e verificação factual, garantindo a imparcialidade, relevância pública e aderência metodológica a padrões elevados de integridade. Os dados são organizados em relatórios claros e acessíveis, que apresentam status jurídico, número de inquéritos, instâncias envolvidas, agentes citados e desdobramentos relevantes. Todo esse conteúdo está disponível ao público no site do IES, fortalecendo o acesso à informação como instrumento de cidadania.
Entre os casos acompanhados está um dos maiores escândalos da história da saúde pública no Brasil: a Operação Sanguessugas. O escândalo revelou um esquema de superfaturamento e corrupção na compra de ambulâncias com verbas do SUS, escancarando a fragilidade nos mecanismos de controle parlamentar e na alocação de emendas. A análise feita pelo Instituto identificou falhas na governança de compras públicas, uso político de recursos federais e ausência de rastreabilidade nas contratações. A partir disso, foram desenvolvidas recomendações voltadas à integridade nos convênios com prefeituras e entidades públicas.
Outro episódio emblemático, noticiado em fevereiro de 2025, ocorreu no Hospital do Pari, na Zona Norte de São Paulo. O Radar da Ética registrou o uso de equipamentos inadequados em procedimentos ortopédicos, contrariando normas mínimas de biossegurança. Apesar de não envolver desvio financeiro, o caso representa séria violação ética ligada à segurança do paciente — princípio tão essencial quanto a boa gestão dos recursos.
Também foram analisadas fraudes na contratação de aventais hospitalares pela Prefeitura de São Paulo, durante a pandemia da Covid-19. As investigações apontaram o uso de empresas sem capacidade técnica, fornecimento parcial de produtos e pagamentos antecipados sob suspeita de má-fé contratual. O Instituto destacou como contextos emergenciais podem ser explorados de forma oportunista, reforçando a necessidade de protocolos éticos para contratações em situações de calamidade pública.
Em dezembro de 2024, a Operação Panaceia, deflagrada em Goiás, revelou indícios de desvio sistemático de recursos destinados à gestão hospitalar por meio da contratação de organizações sociais. O Radar da Ética analisou subcontratações irregulares, pagamentos sem cobertura contratual e o uso de entidades de fachada. A avaliação apontou fragilidades nos critérios de seleção de parceiros e ausência de fiscalização efetiva, alertando para o risco de conluio entre gestores públicos e privados.
Esses exemplos mostram que a corrupção na saúde assume múltiplas formas — desde superfaturamento e fraudes contratuais até a negligência com a segurança do paciente. Monitorar esses casos é essencial para evitar que erros se repitam, proteger os recursos públicos e garantir que a saúde cumpra seu papel como direito universal.
Em um país onde muitos casos de corrupção seguem impunes ou esquecidos, o Radar da Ética atua como instrumento de memória e responsabilidade social. É uma forma concreta de manter a sociedade informada e exercendo o controle social, condição fundamental para fortalecer a cultura de integridade no Brasil.
Além disso, a iniciativa funciona como incentivo à boa governança. Ao tornar públicas informações sobre más práticas e suas consequências jurídicas, a ferramenta envia uma mensagem clara: a impunidade não pode ser a regra. A visibilidade dos processos contribui para que gestores e fornecedores adotem posturas mais responsáveis.
A ferramenta também oferece subsídios valiosos para pesquisadores, jornalistas e gestores interessados em compreender a extensão e a dinâmica desses casos, criando base concreta para estudos e políticas públicas. Cidadãos informados são mais conscientes de seus direitos e mais exigentes com os serviços que recebem. A saúde é um direito constitucional e, como tal, precisa ser defendida com rigor.
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Ao completar 10 anos de atuação, o Instituto Ética Saúde reafirma seu compromisso com a ética e a integridade. Mas esse compromisso só se realiza com engajamento coletivo. Por isso, o IES convida todos — profissionais de saúde, gestores, pacientes, pesquisadores, jornalistas e a população em geral — a acessar, acompanhar e divulgar o Radar da Ética. Quanto maior a vigilância social, menor o espaço para a corrupção prosperar.
O Radar da Ética está disponível no site do Instituto Ética Saúde:
Transparência é um caminho sem volta. Acompanhe, fiscalize e compartilhe. A saúde agradece!
*Julio Zanelli é assessor de Ética e Integridade do Instituto Ética Saúde.