Portais de compra em OPME: transformação digital não pode ser transferência de custos

Nos últimos anos, temos assistido a uma verdadeira proliferação de portais digitais de compras destinados à aquisição de órteses, próteses e materiais especiais (OPME) por hospitais e operadoras de planos de saúde. A adoção desses sistemas, em princípio, traz claros benefícios: padronização dos processos, rastreabilidade das transações, maior agilidade nas cotações e centralização das informações. No entanto, este movimento – que deveria estar ancorado em uma visão sistêmica e equilibrada da cadeia de valor em saúde – vem produzindo efeitos colaterais que não podem mais ser ignorados. 

Sob o pretexto de modernizar e otimizar as compras, muitos desses portais têm imposto aos fornecedores custos adicionais expressivos, que não necessariamente se traduzem em valor proporcional. Diferentemente de marketplaces de outros setores – que de fato criam oportunidades para os vendedores ampliarem sua base de clientes e divulgarem seus produtos – os portais de compras de OPME operam, muitas vezes, em uma lógica de leilão reverso. Para ter o direito de participar das cotações, o fornecedor precisa pagar taxas de acesso e, em determinados modelos de negócio, taxas sobre o volume transacionado. Trata-se de um verdadeiro pedágio: uma condição obrigatória para poder vender a clientes já cativos, sem perspectiva de ampliação do mercado ou da visibilidade do portfólio. 

Essa situação gera uma assimetria preocupante. A multiplicidade de plataformas obriga as empresas fornecedoras a investirem na adaptação a diferentes sistemas, no treinamento de suas equipes e na gestão de múltiplos acessos. É um custo operacional que, inevitavelmente, acaba sendo repassado à cadeia e, em última instância, ao consumidor ou ao próprio sistema de saúde. Não se trata da eliminação de custos por meio de tecnologia, mas sim de sua transferência de um elo para outro – normalmente, uma parte com menor poder de barganha. 

O resultado desse quadro é o que podemos chamar de um “cabo de guerra financeiro”, em que o fornecedor é pressionado a absorver um ônus que deveria ser discutido de forma mais ampla e transparente. Quando a participação no portal se torna uma condição sine qua non para a manutenção da relação comercial – e não uma opção ou um diferencial competitivo – perde-se a essência colaborativa que deveria sustentar a transformação digital na saúde. 

Outro ponto relevante é que muitas plataformas se limitam a digitalizar etapas iniciais do processo de compra – como cotação, aquisição e pré-faturamento – mas deixam de fora aspectos críticos como a visibilidade sobre o faturamento e o acompanhamento do ciclo de vida do produto. Ou seja, apesar do discurso de modernização, ainda há lacunas importantes que precisam ser endereçadas. 

Na Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde defendemos um olhar sistêmico e equilibrado sobre toda a cadeia de valor. Acreditamos no potencial das soluções digitais para reduzir burocracias, aumentar a eficiência e garantir a rastreabilidade. Mas é fundamental que essas ferramentas sejam desenhadas de forma coletiva para gerar ganhos reais para todos os lados – hospitais, operadoras, fornecedores e pacientes – e não apenas transferir custos, criando novos entraves em vez de soluções. 

O debate sobre o futuro dos portais de compras de OPME precisa ser ampliado e qualificado. É preciso pensar em modelos que respeitem a sustentabilidade econômica dos fornecedores e incentivem a inovação, a transparência e a concorrência saudável. Somente assim conseguiremos avançar na construção de um ecossistema de saúde mais eficiente, inclusivo e sustentável.

*Sérgio Rocha, presidente da Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde.

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Fonte: Saúde Business

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