A saúde é uma preocupação recorrente dos brasileiros. Pesquisas como o Panorama Político, do DataSenado, há anos apontam que questões ligadas à saúde dominam os principais anseios da nossa população. Não é à toa: a diferença entre o atendimento público e o privado é visível em todo o território nacional. Cotidianamente, nos perguntamos por que é tão difícil (ou quase impossível) termos uma saúde igual para todos.
Por mais otimistas que sejamos, é notório que os mais de 160 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente do SUS enfrentam uma realidade muito diferente daquela vivida por quem conta com planos de saúde. A esses, são garantidos diagnósticos e tratamentos com acesso a tecnologias recentes. Aos demais, resta aguardar na fila por exames, muitas vezes realizados em equipamentos obsoletos, ou por vagas em estruturas sobrecarregadas.
O paradoxo está nos números: o sistema privado atende cerca de 20% da população com recursos semelhantes aos destinados ao SUS, responsável por atender os outros 80%. Com orçamentos equivalentes, a qualidade do atendimento, infelizmente, se distancia cada vez mais. Isso nos leva a alguns questionamentos: gastamos demais com a saúde suplementar ou de menos com a saúde pública? A resposta, na prática, está nas duas situações.
Na saúde privada, vemos desperdícios generalizados. Exames e tratamentos são, muitas vezes, solicitados em excesso, sem uma análise criteriosa das reais necessidades. Isso eleva os custos das operadoras, além de gerar ansiedade nos pacientes. Em casos de exames de imagem, ainda há os efeitos cumulativos da radiação sobre a saúde.
Do outro lado, no SUS, vivemos um desmanche tecnológico que se arrasta há décadas. Equipamentos de raio-X, ressonância magnética, ultrassom e tomógrafos estão, muitas vezes, ultrapassados. As camas hospitalares, enferrujadas. Há instrumentos cirúrgicos desgastados e centrais de esterilização com autoclaves antigas, muitas vezes sem validações adequadas.
Enquanto isso, as Santas Casas de Misericórdia, que prestam um serviço essencial ao SUS, são remuneradas com base em uma tabela de preços congelada há muitos anos, impossibilitando sua modernização tecnológica.
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Todo esse cenário, desenhado pela falta de atualização do parque tecnológico, compromete diretamente os diagnósticos, que deixam de ser precisos. Isso pode levar pacientes a tratamentos inadequados e desnecessários, que não só atrasam a recuperação, como geram novas complicações. E ainda há um agravante: com os equipamentos antigos, é cada vez mais difícil encontrar peças de reposição conforme especificações dos fabricantes. Muitas assistências técnicas acabam recorrendo a soluções improvisadas, utilizando peças de outros aparelhos e criando, assim, os chamados equipamentos “fantasmas”, sem validação ou garantia de eficácia.
Nesse contexto, como a indústria nacional pode ajudar? Empresas instaladas no Brasil, sejam de capital nacional ou estrangeiro, podem investir muito mais em tecnologia e inovação para entregar soluções modernas. A inteligência artificial, por exemplo, pode ser uma aliada importante nesse processo. No entanto, será necessário investir em equipamentos e capacitação profissional. Ou seja, precisamos de recursos.
Como conclusão, só faltam os clientes.
Um dos maiores entraves que enfrentamos são os incentivos desproporcionais à importação de produtos e equipamentos de saúde, mesmo quando o Brasil é capaz de produzir esses itens com qualidade equivalente ou até superior. Enquanto a rede pública não paga impostos para importar, é obrigada a arcar com todos os tributos ao adquirir produtos similares da indústria nacional. Isso não apenas penaliza quem fabrica aqui, como também desestimula a inovação local e compromete a competitividade do setor.
As Santas Casas e os hospitais públicos representam aproximadamente 60% do mercado de saúde brasileiro. Deveriam, portanto, ter um grande poder de compra para impulsionar a transformação tecnológica. Mas, sem recursos, permanecem limitados à manutenção mínima, colocando o futuro da nossa saúde em espera. A consequência disso é clara: as fabricantes aqui instaladas postergam investimentos em novos produtos. Afinal, por que desenvolver uma tecnologia que não encontrará demanda dentro do próprio país?
A resposta à pergunta que há tanto tempo nos fazemos sobre onde está a inovação que a saúde tanto precisa talvez precise ser reformulada: onde estão os compradores da inovação que já temos capacidade de produzir? A indústria brasileira está pronta, financiamentos para inovação existem! O que falta é uma política de saúde pública que enxergue, valorize e integre a produção nacional como parte da solução para a inovação.
*Paulo Henrique Fraccaro é CEO da ABIMO – Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos.