No setor da saúde, é comum associarmos risco ao não cumprimento de normas técnicas: ausência de registros, licenças vencidas ou falhas documentais. Mas há um tipo de risco que não se manifesta em laudos ou protocolos. Um risco invisível, porém profundamente comprometedor: aquele que nasce da ausência de consciência regulatória por parte das instituições, empresas e profissionais que operam em ambientes submetidos à vigilância sanitária.
Esse risco não está vinculado a uma categoria específica, como produto ou serviço. Trata-se de um risco estrutural e transversal, presente em toda a cadeia regulada da saúde; da indústria ao hospital, do distribuidor à clínica, do laboratório à central de materiais. Onde há regulação, há responsabilidade. E onde há responsabilidade sem consciência, o risco é inevitável.
O risco não reside apenas em quem descumpre uma norma. Muitas vezes, está em quem cumpre mecanicamente, em diversos casos, sem compreender a finalidade da regra. Está em quem enxerga o setor regulado como um emaranhado burocrático, e não como um campo de legitimidade institucional, claro e objetivo.
É nesse contexto que se vê responsáveis técnicos (RTs) que assinam sem entender o impacto do que representam; Diretores e gestores que terceirizam integralmente a regulação sem se comprometer com suas implicações; Estruturas que operam sem planejamento regulatório, apenas reagindo a notificações e fiscalizações; E, sobretudo, uma cultura institucional que vê o regulatório como despesa, não como estratégia. Falo aqui do “gestor bombeiro”. Aquele que, permitindo comparar, vive a cada apagando um novo incêndio sem compreender o foco deste.
A conclusão que se chega é que o problema, portanto, não está só no papel. Está na mentalidade. Aquela que deixa de prever um orçamento (budget) regulatório. Um sintoma mais do que grave!! Uma negligência!!
Fala-se da falta de verba para revisar bulas, elaborar POPs, manter o responsável técnico com dedicação adequada, contratar assessoria jurídica especializada, ou sequer para interagir com a autoridade sanitária com coerência institucional.
Quando o regulatório não é previsto no orçamento, entra no passivo.
E quando entra no passivo, cobra caro: com atrasos de liberação, paralisação de lotes, autos de infração, retrabalhos e, não raramente, danos à reputação institucional.
Empresas e instituições que não internalizam o valor do regulatório acabam operando de forma frágil, reativa e vulnerável.
Regulação é compromisso, não obstáculo
A regulação sanitária não foi criada para atrapalhar a atividade econômica. Ela existe para assegurar que a atividade ocorra de forma segura, legítima e contínua. É o que protege o paciente, o consumidor, o colaborador e, em última instância, a própria instituição.
Mas para que cumpra esse papel, a regulação precisa ser compreendida, assumida e cultivada como parte da governança institucional, e não como um setor isolado, distante da alta gestão.
A legalidade exige mais que licenças. Exige coerência, diálogo, estratégia e maturidade organizacional.
O risco mais perigoso no setor da saúde não é o que está fora da norma, aquele passível de regularização, mas o que está fora da consciência institucional, aquele que não se toca, invisível e difícil de compreender.
Ambientes regulados exigem mais que cumprimento formal: exigem comprometimento real.
Porque a saúde, em todas as suas formas, não pode ser conduzida por improviso.
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