As operadoras de planos de saúde têm um papel estratégico na promoção da saúde da população, mas também podem — e devem — ampliar sua atuação para cuidar da saúde do planeta diante das mudanças climáticas e da crescente preocupação com a sustentabilidade.
Recentemente, o Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS) publicou o estudo “Mudanças climáticas e efeitos na saúde: desafios e oportunidades para a saúde suplementar no Brasil”, no qual apresenta os principais efeitos das mudanças climáticas na saúde, analisando desafios e oportunidades para o setor de saúde suplementar, com foco em estratégias de adaptação e mitigação de riscos.
O estudo aponta, por exemplo, que as inovações no setor, quando orientadas para o enfrentamento das mudanças climáticas, envolvem não apenas a adoção de tecnologias avançadas, mas também a reestruturação de processos e a integração de diferentes áreas do conhecimento.
Também vislumbra a evolução de modelos de negócios e de gestão voltados à sustentabilidade, que incentivem a redução de resíduos, o uso racional de recursos naturais e a neutralização de emissões de carbono. Operadoras de saúde que adotam práticas ESG podem se beneficiar de incentivos fiscais e atrair investimentos responsáveis.
O relatório ainda ressalta a necessidade de parcerias entre operadoras, prestadores, órgãos reguladores e o Sistema Único de Saúde (SUS) para criar políticas de adaptação e mitigação eficazes. Para José Cechin, superintendente executivo do IESS, as operadoras precisam atuar em várias frentes para se antecipar ao aumento da demanda assistencial provocada por doenças associadas ao clima.
“Primeiro, devem se envolver nos debates conduzidos pela gestão da saúde da população – um processo que necessariamente deve ser liderado por entes públicos (União, Estados e Municípios) – para estarem alinhadas aos planos de macrogestão de saúde do Brasil e participar da projeção de cenários e onde é possível integrar as atuações público e privadas.”
O uso de tecnologias preditivas, agrupamentos de beneficiários por perfil de risco ou doenças crônicas, além de iniciativas de acompanhamento da saúde mental, são alguns dos temas da agenda das operadoras. “A telemedicina, que se mostrou tão eficaz durante crises recentes, deve ser cada vez mais incorporada à estratégia assistencial, ampliando o acesso e reduzindo deslocamentos desnecessários”, diz Cechin.
O executivo destaca os principais pontos de atenção para enfrentar as emergências climáticas, como a necessidade de investir em infraestrutura resiliente, planos de contingência e formação profissional. “Esses três elementos são pilares de uma resposta eficaz. A infraestrutura precisa ser planejada para resistir a condições adversas e continuar operando com segurança. Além disso, é indispensável contar com planos de contingência bem definidos, com protocolos claros de ação e logística adequada para situações críticas”, explica.
Cechin comenta ainda sobre a importância da formação dos profissionais de saúde, destacando que estes precisam estar capacitados para atuar em contextos de emergência, inclusive com conhecimento sobre doenças emergentes ou agravadas pelo clima. “O monitoramento climático e o uso de sistemas de alerta precoce também são ferramentas importantes para antecipar impactos e orientar beneficiários e prestadores de forma eficiente.”
Carolina Muga, gerente de Regulação da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), lembra que, além da necessidade de reforço da estrutura física de unidades de atendimento, investimentos em sistemas sustentáveis de energia e água e a gestão adequada de resíduos, também é preciso desenvolver capacidade de análise de dados em saúde para a elaboração de planos de contingência, com mapeamento de riscos provocados pelas mudanças climáticas e de grupos de pacientes vulneráveis.
Como operadoras integram saúde planetária à assistência e prevenção
A incorporação da saúde planetária passa, necessariamente, por um alinhamento com práticas sustentáveis. Isso significa, por exemplo, adotar metas ambientais nas estruturas de operação das operadoras — como uso de energia limpa, redução de resíduos e eficiência energética.
Para Carolina, incorporar os princípios da saúde planetária às políticas assistenciais e preventivas é mais que uma tendência – é uma necessidade. “Operadoras já têm incluído temas ambientais em suas ações, mas o momento exige ir além, promovendo campanhas sobre poluição, desmatamento e consumo consciente, e estimulando práticas sustentáveis entre seus prestadores de serviço”, opina.
Para a especialista, o setor pode promover a descarbonização na sua cadeia produtiva através de seus prestadores de suprimentos e estimular inovações e pesquisas que ajudem ainda mais na compreensão da relação entre clima e saúde.
Na Unimed CNU, o compromisso com a saúde planetária se materializa em iniciativas como a gestão responsável de recursos naturais, a redução da pegada de carbono e a incorporação de critérios ambientais nas decisões estratégicas. “Valorizamos fornecedores com práticas sustentáveis, promovemos programas de descarte seletivo e buscamos constantemente a eficiência energética em nossas unidades”, conta Luiz Otávio de Andrade, presidente da operadora.
Algumas das práticas adotadas incluem:
- Digitalização de processos assistenciais e administrativos, como receituário eletrônico, autocheck-in, autorização digital e assinatura eletrônica, que reduziram significativamente o consumo de papel;
- Gestão de resíduos em unidades próprias, com foco em descarte seletivo seguro e uso racional de insumos hospitalares;
- Neutralização das emissões de gases de efeito estufa, com compensações das emissões mensuradas em inventário por meio da aquisição de créditos de carbono;
- Criação de programas internos de sensibilização ambiental, voltados à formação contínua de colaboradores e parceiros sobre consumo consciente e descarte correto.
Crise climática exige novos modelos de cuidado e financiamento
Na opinião de Cechin, os modelos tradicionais de financiamento, baseados em volume de procedimentos, não estão preparados para lidar com os riscos e as incertezas trazidos pelas mudanças climáticas.
“Precisamos avançar para modelos que valorizem a prevenção, a sustentabilidade e a capacidade de adaptação. Isso inclui protocolos clínicos flexíveis, voltados para respostas rápidas a surtos e emergências, além de uma atenção primária mais robusta. Também é fundamental incorporar os riscos climáticos nas análises atuariais e criar incentivos para operadoras que investem em resiliência. Dessa forma, protegemos o sistema financeiramente e, ao mesmo tempo, entregamos mais valor em saúde para a população.”
Carolina compartilha a opinião de Cechin, e ressalta que, para alcançar um modelo de cuidado preventivo, é indispensável fortalecer a atenção primária com recursos e infraestrutura para identificação precoce e manejo das condições agravadas pelo clima, vigilância epidemiológica ativa dessas condições e campanhas de promoção de saúde e educação ambiental.
Andrade acredita que os modelos de cuidado precisam evoluir continuamente. “Nossos recursos próprios já incorporam práticas de vigilância, prevenção e cuidado integrado, com protocolos atualizados conforme evidências científicas. Estamos atentos à necessidade de reforçar o monitoramento de doenças sensíveis ao clima, especialmente em regiões mais vulneráveis. No aspecto do financiamento, seguimos atentos às distorções entre receita e custo, especialmente em função de novas demandas epidemiológicas. Buscamos soluções que combinem sustentabilidade financeira com responsabilidade assistencial.”
Regulação e parcerias público-privadas
As mudanças climáticas exigem respostas coordenadas entre governo, setor privado, universidades e sociedade civil. Na opinião de Cechin, ao se engajarem nas discussões regulatórias e em parcerias público-privadas, as operadoras contribuem para políticas públicas mais robustas, integradas e eficazes.
“Além disso, podem acessar novas fontes de financiamento, fomentar inovação e reforçar seu compromisso com a responsabilidade socioambiental. Em um cenário de crise climática, essa postura não é só desejável, é estratégica para a sustentabilidade do setor e a proteção da saúde da população.”
Já Andrade acredita que ampliar a discussão sobre saúde planetária no setor suplementar é urgente — e isso passa pela produção de evidências, defesa de marcos regulatórios sensíveis ao meio ambiente e promoção de ações integradas entre todo o ecossistema de saúde.
“O debate sobre saúde planetária e mudanças climáticas ainda está em processo de amadurecimento no setor de saúde suplementar, mas temos atuado de forma ativa para ampliar essa agenda, por meio da produção de evidências e do compartilhamento de boas práticas”, diz Andrade.
O executivo destaca que a Unimed CNU tem experiências positivas com secretarias municipais e estaduais de saúde em campanhas de vacinação, ações de saúde do trabalhador, prevenção de doenças e atenção ao idoso.
Andrade segue dizendo que, ao lado de gestores públicos, universidades e organizações da sociedade civil, torna-se possível ampliar o impacto positivo e contribuir com a construção de um sistema de saúde mais resiliente e preparado para os desafios climáticos.
As operadoras compreendem os desafios operacionais, assistenciais e financeiros impostos pela situação. Seus dados epidemiológicos podem contribuir para identificar padrões importantes, como frequência, custo e impacto dos tratamentos de doenças relacionadas ao clima e subsidiar regulamentações baseadas em evidências.
“O setor privado também pode propor soluções inovadoras, que alterem os modelos de atendimento e incentivem a sustentabilidade. A parceria entre a saúde pública e a privada aumenta os recursos necessários para o enfrentamento de situações complexas, permite o compartilhamento dos riscos e amplia o acesso e a qualidade dos serviços”, ressalta Carolina.
Incorporar a saúde planetária às políticas assistenciais e preventivas não é apenas uma escolha estratégica para as operadoras de saúde — é uma necessidade diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas.