Na política, os gestos dizem mais do que os discursos, e os bilhetes — quando bem posicionados — podem valer mais do que decretos. Sergipe tem uma história curiosa que ilustra bem essa lógica silenciosa do poder.
O ex-governador João Alves Filho, figura central na política sergipana por décadas, era conhecido por uma prática peculiar quando precisava lidar com aliados inconvenientes. Quando algum pedido político chegava às suas mãos e ele não queria atendê-lo, mas também não podia negar de forma direta, João encontrava uma saída engenhosa. Mandava um ofício ao secretário responsável, com um despacho escrito de próprio punho:
“Secretário Fulano de Tal, favor atender esse pedido do nobre líder.”
Mas o truque estava no detalhe: se o bilhete estivesse escrito à direita do ofício, era ordem para atender. Se estivesse à esquerda, era para não atender — e os secretários sabiam disso. Assim, João se esquivava do desgaste político, repassando a responsabilidade ao subordinado, sem negar formalmente o pleito. Uma manobra silenciosa, mas eficaz.
Mitidieri, o novo rótulo de um mesmo produto
Essa história, que se tornou quase um folclore político nos bastidores do Estado, serve hoje como uma ponte direta para o presente. O atual governador, Fábio Mitidieri, parece ter aprendido — e modernizado — o mesmo método de negar sem negar, criado por João Alves Filho. No entanto, há uma diferença importante entre os dois: enquanto João Alves era direto no enfrentamento com seus adversários políticos, Fábio prefere agir pelas sombras, acuando opositores por meio de processos judiciais duvidosos, usados como carta na manga. Um exemplo claro disso foi o caso de Valmir de Francisquinho, que venceu Fábio nas urnas na eleição passada, mas acabou impedido de assumir, justamente por conta de um processo controverso.
Fábio, filho do respeitado ex-deputado Luiz Mitidieri, não herdou o mesmo estilo. Seu pai era conhecido por uma qualidade cada vez mais rara na política: a palavra cumprida. Quando prometia, cumpria. Como diz o velho ditado, assinava seus compromissos com o fio do bigode — e bastava isso.
Fábio, ao contrário, tem recorrido a uma estratégia que muitos aliados já chamam de “embromação institucionalizada”. Quando pressionado por lideranças políticas que esperam uma resposta concreta, encaminha os pedidos para a Casa Civil, onde repousa o secretário Jorginho Araújo, que lembra mais um mordomo de luxo, que um secretário. Lá, as solicitações são ouvidas, protocoladas, acompanhadas de café e promessas vagas — mas raramente resolvidas.
Jorginho se tornou o novo “bilhete à esquerda”: atende sem atender, conversa sem decidir, promete sem cumprir. Tudo isso com a conivência silenciosa do governador, que mantém as aparências enquanto evita o desgaste. Ahhhhhh esse Jorginho…
Na prática, o que antes era um bilhete manuscrito agora virou e-mail frio, repassado de gabinete em gabinete até sumir em alguma gaveta digital.
A diferença?
João Alves fazia isso com discrição estratégica. Fábio faz com rotina administrativa. E o povo, os aliados e os prefeitos do interior, que bateram à porta, e fica do lado de fora descobrem que com o filho é diferente: prometer é fácil — cumprir, só com o fio do bigode. Que ele, ao que parece, ainda não deixou crescer.