o desafio dos cargueiros atômicos

Navios militares já usam energia nuclear há décadas. Agora, estaleiros comerciais começam a apostar nessa tecnologia como solução para um dos maiores desafios do setor: descarbonizar o transporte marítimo global.

O setor naval é responsável por cerca de 3% das emissões globais de gases de efeito estufa — mais do que o Japão. A Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) assumiu a meta de cortar essas emissões em até 30% até 2030 e zerá-las até 2050. Para isso, será preciso deixar de usar o combustível fóssil mais sujo da indústria: o óleo bunker.

Alguns combustíveis alternativos, como amônia ou metanol, estão em desenvolvimento, mas ainda são caros e de difícil acesso. Para Mikal Boe, CEO da empresa britânica Core Power, trata-se de um “problema quase intransponível”. Por isso, sua empresa lidera uma iniciativa que reúne a sul-coreana HD Korea Shipbuilding & Offshore Engineering e a americana Southern Co. para desenvolver cargueiros movidos por pequenos reatores nucleares.

A proposta é ousada. Embora os custos iniciais sejam mais altos e os desafios técnicos e regulatórios sejam consideráveis, Boe afirma que navios nucleares poderiam ser mais rápidos, mais eficientes e com maior capacidade de carga. “Se pudéssemos fazer isso hoje, a demanda reprimida seria gigantesca”, diz.

A meta do grupo é colocar o primeiro cargueiro nuclear na água até 2035, usando um reator desenvolvido pela TerraPower — empresa de tecnologia climática financiada por Bill Gates, que prevê iniciar os testes do modelo em 2029. A Southern Co., que concluiu recentemente a construção da primeira usina nuclear nos EUA em décadas, trará sua experiência para o projeto.

A aposta vem em um momento de renascimento da energia nuclear em terra firme. O aumento da demanda energética causado pela inteligência artificial levou empresas de tecnologia e governos a apostarem tanto na energia nuclear tradicional quanto em novas formas, como fusão e os pequenos reatores modulares (SMRs) — exatamente o tipo que será usado nos navios.

Historicamente, o primeiro reator naval foi instalado em um submarino dos EUA em 1955. Navios civis com propulsão nuclear começaram a ser testados a partir de 1959, com o NS Savannah, mas a maioria foi desativada por questões técnicas e financeiras. Hoje, cerca de 160 embarcações no mundo usam fissão nuclear — em sua maioria navios militares e quebra-gelos russos que operam no Ártico.

Mas a pressão por metas ambientais tem feito o setor comercial reavaliar essa possibilidade, segundo Jose Esteve, especialista em energia offshore da francesa Bureau Veritas. Algumas empresas estão testando combustíveis como amônia ou hidrogênio, além do uso de velas. A gigante dinamarquesa Maersk já opera navios movidos a metanol com baixa emissão de carbono. No entanto, Esteve vê problemas: “Esses combustíveis alternativos não estarão disponíveis quando forem necessários, nem a preços viáveis”.

Para ele, a energia nuclear tem mais chances de ser escalada. Ele prevê que os primeiros testes com cargueiros nucleares ocorram em meados da década de 2030, com uso mais amplo a partir do fim da década.

Ainda assim, há obstáculos grandes. Empresas de seguro comercial não oferecem cobertura para embarcações movidas a fissão nuclear — o risco de um acidente é alto demais. Sem seguro, portos civis não autorizam a atracação desses navios. Isso não é um problema para embarcações militares, que usam portos próprios, mas trava a adoção no setor comercial.

Há também preocupações com segurança. George Moore, pesquisador do Middlebury Institute of International Studies, lembra que, mesmo sem urânio enriquecido para uso bélico, o combustível ainda é radioativo — e navios comerciais são mais frágeis, o que aumenta o risco de vazamentos ou sabotagem. “A indústria ainda não considerou todas essas questões”, diz Moore. “Isso torna o desenvolvimento desses navios uma ideia arriscada.”

A IMO discute este mês mudanças no código de segurança para navios comerciais com reatores nucleares. E pode votar, em outubro, a imposição de penalidades financeiras para embarcações poluentes.

Segundo Moore, novas tecnologias nucleares podem ajudar a mitigar riscos. Os navios militares usam reatores de água pressurizada, que operam sob alta pressão e, em caso de acidente, podem liberar radioatividade a longas distâncias. Já os reatores da TerraPower operam sob pressão normal, o que limita a área de risco a algo menor — idealmente, ao tamanho do próprio navio.

Caso os desafios sejam superados, os benefícios são muitos. Hoje, os navios navegam a 30% ou 40% abaixo de sua velocidade máxima, para reduzir emissões e custos com combustível. Um navio nuclear não teria esse problema: sem emissões e sem custo de combustível, poderia operar em velocidade máxima — entregando mais rápido e lucrando mais.

Outro ganho está no espaço. Os tanques de combustível ocupam muito volume nos cargueiros. Sem eles, a capacidade de carga pode aumentar em até 10%, estima Boe. Além disso, reatores nucleares podem funcionar por décadas sem reabastecimento — algo que, hoje, consome cerca de um mês por ano na operação de um navio, segundo Sangmin Park, vice-presidente da HD Korea Shipbuilding.

É verdade que o investimento inicial seria maior: o triplo do custo de um navio convencional. Mas Park calcula que, em 25 anos, o custo total de operação de um navio nuclear pode ser menos da metade de um cargueiro tradicional. “É bom para o meio ambiente e para a economia no longo prazo”, diz ele.

Fonte: Invest News

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