O mercado de bebidas, durante muitos anos, foi constituído, majoritariamente, pela presença masculina, especialmente em funções como Sommelièrs, Bartenders, Mixologistas e Enólogos. No entanto, essa dinâmica vem sendo transformada com o aumento da presença feminina em cargos que exigem conhecimento técnico, sensibilidade apurada e domínio do paladar. Com isso, o atual protagonismo da mulher no setor não apenas inspira outras a seguirem o mesmo caminho, como também diferencia o padrão do serviço oferecido e desafia antigas estruturas.
De Baristas a Sommelières, passando por especialistas em saquês e cafés especiais, as profissionais desse setor vêm quebrando estereótipos e mostrando que sensibilidade, conhecimento e liderança são atributos que não tem gênero. E, inclusive, atributos esses que foram transformados em trajetórias de muita dedicação, estudo e persistência.
Por isso, a reportagem da Rede Food Service conversou, com exclusividade, com quatro mulheres que já atuam no setor de bebidas e te convida a conferir, na sequência, as histórias por trás dessas profissionais que são verdadeiras protagonistas nesse nicho.
TRAJETÓRIAS DE PAIXÃO E PROPÓSITO
A Sommelier de Saquê Yasmin Yonashiro sempre foi apaixonada pela cultura japonesa. Ainda na juventude, ela descobriu a possibilidade que trabalhar com bebidas poderia conectá-la à essa paixão. “Quando eu comecei a trabalhar com bebidas, aos 18 anos, o Rodolfo Bob, um amigo meu com quem tenho uma relação de trabalho e amizade há quase 20 anos, falou para mim sobre como a bebida está interligada com a cultura. Na época, isso me marcou muito, porque percebi que poderia trabalhar com bebidas e, ao mesmo tempo, me conectar com a cultura japonesa”, revela.
Pouco tempo depois, Yonashiro começou a trabalhar em um restaurante japonês e descobriu o saquê, que viria a fazer parte da sua vida. “Para mim, foi como encontrar o amor da minha vida! Hoje, eu faço esse trabalho com saquê porque vejo a importância de trabalhar com essa bebida e com o serviço japonês, entendendo como tudo isso está profundamente ligado à cultura do Japão. Além de ser uma bebida incrível, o saquê tem uma conexão muito forte com a gastronomia japonesa – do saquê com o serviço – que me fez querer seguir esse caminho”, explica.
Eduarda Figueiredo, também Sommelier, fez uma guinada ousada em sua vida: saiu da área de Engenharia Civil para se tornar Sommelière. Hoje, ela comanda o portfólio de uma importadora, atua como palestrante e está à frente da Entre Vinhos, um wine bar dedicado às experiências gastronômicas. “Sou formada em Engenharia Civil e me especializei em Finanças. Eu trabalhava em uma importadora e distribuidora de alimentos e bebidas e acompanhava os Sommelièrs nas viagens. Minha função era fazer as contas para tentar viabilizar a importação. Mas, em um determinado momento, eu estava na França em uma dessas viagens, e um Enólogo francês me olhou e perguntou se eu já tinha pensado em explorar o meu paladar. Quando retornei ao Brasil, eu descobri esse dom para poder analisar vinhos e fiz o curso da Associação Brasileira de Sommelier e, depois, eu fiz o curso da International Sommelier Guild e terminei me especializando na French Wine School, que é a minha paixão. O que de fato me encantou pelo mundo dos vinhos foi essa infinidade, esse mundo de possibilidades”, conta.
No uiverso do café, Ju Morgado deixou a área de Comunicação Social de lado para se tornar Barista. Assim, após sair de uma experiência difícil em um trabalho, ela encontrou no café uma forma de fazer o que gosta e se reinventar. “Eu comecei a trabalhar como Barista depois que saí da minha profissão de Assessora de Comunicação. Eu estava um pouco traumatizada com essa área, então, tentei buscar alguma coisa que eu sabia fazer. Sempre gostei muito de comida e alimentação e de fazer coisas na cozinha em geral. E eu tinha esse curso de barista que já tinha feito de hobby. Então, eu comecei a trabalhar em uma cafeteria e comecei a gostar da coisa”, revela.

Já a Sommelière de Cerveja e Consultora Bia Amorim leva na bagagem um histórico de atuação que passa pela hotelaria, eventos, produção de conteúdo e educação sobre consumo consciente. “No Ensino Médio, eu me apaixonei pelo setor de hospitalidade. Assistia programas na TV, vi uma palestra na escola e acabei me formando em Hotelaria, na faculdade em Águas de São Pedro, no Senac. Desde aquela época, eu comecei a fazer trabalhos de Freelancer, Bartender, Garçonete, Caixa em Festas. Eu gostava de trabalhar e, apesar de curtir tomar uma cerveja vez ou outra, sempre gostei muito de servir. Acho que a motivação sempre foi ver as pessoas se divertindo, comendo, bebendo e interagindo no ao vivo”, destaca.
CONQUISTAS QUE INSPIRAM
Além de premiações, certificações e empreendimentos próprios, todas essas mulheres compartilham uma conquista essencial: serem reconhecidas pelo o que sabem e pelo que constroem.
Para Yonashiro, ao longo dos mais de 15 anos atuando no setor de bebidas, uma das primeiras grandes conquistas foi conseguir o diploma de Kikizake-shi, que é uma Certificação de Sommelièr de Saquê no Japão. “Depois disso, eu desenvolvi cartas de bebidas para vários restaurantes, fiz consultorias e criei a minha própria consultoria especializada em saquê, focada no desenvolvimento de profissionais para restaurantes. Além disso, tive a oportunidade de realizar diversos eventos e experiências de harmonização, tanto para restaurantes que admiro, quanto em projetos como a House of Suntory Experience e o Shochu Academy, em parceria com o Roberto Maxwell. Trazer mais conhecimento sobre bebidas japonesas para o Brasil, especialmente o shochu e o saquê, foi algo muito significativo para mim”, ressalta.

Ter conquistado o respeito por meio do conhecimento também foi algo importante na trajetória de Figueiredo. “Hoje, eu sou responsável por todo o portfólio de uma importadora pernambucana, que se chama Formagem e Food Service. Eu, Luiz Figueiredo Filho (meu irmão) e Leonardo Buarque realizamos um sonho de inaugurar a Entre Vinhos, onde a gente vive todo tipo de experiência no mundo dos vinhos, recebemos produtores e enólogos, sempre harmonizando ali comida, vinho e música. Então, a gente ter esse espaço em Recife foi uma grande conquista. E, pessoalmente falando, é uma conquista de uma posição feminina estar em um mercado que ainda é tão masculino. Foi bem difícil no início, mas acho que, hoje, o mercado já me respeita e me vê como profissional do vinho, o que é muito legal”, comemora.
Morgado relata que, entre as conquistas adquiridas ao longo da sua trajetória de Barista, estão pódios em campeonatos nacionais, consultorias para cafeterias e um olhar atento para os desafios das mulheres em um setor que ainda favorece os homens. “Fui terceiro lugar no Campeonato Nacional de Barista de 2023 e, no de 2024, eu fui para a final de novo, ficando em quinto. Já fiquei também em primeiro lugar na Taça Barista de Brasília. Para mim, isso é um alcance profissional grande, porque significa que eu estou sendo reconhecida. Tenho muito orgulho das consultorias que eu faço na minha cidade para casas e cafeterias que abriram e funcionam. Algumas, até hoje, estão com o mesmo cardápio que eu estabeleci lá no começo e isso também é uma coisa que eu fico muito feliz na minha carreira, sabe?”, afirma.

Para Amorim, estar no mercado até hoje já é uma vitória, não apenas pela resistência em um ambiente estável, mas pela capacidade de criar pontes entre o produto e as pessoas. “Não é fácil [o mercado], mas também mudou muito desde quando eu comecei. Vejo que o mercado é também um legado. Como temos cerca de dez mil anos de história, as bebidas formaram quem somos nós como humanidade. Eu acredito que o meu trabalho seja fazer uma ponte para as pessoas mudarem, para melhor, o seu consumo e esse impacto me faz feliz. A grande conquista é ser reconhecida como alguém que ama o que faz e capricha no que precisa entregar. Ainda tem muita coisa para conquistar”, considera.
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DESAFIOS DE SER MULHER NO MERCADO DE BEBIDAS
Embora cada história das entrevistadas tenha a sua particularidade, todas apontam para um desafio em comum, que é o preconceito de gênero.
Nesse sentido, Yonashiro entende o preconceito que sofre por ser mulher, jovem e com descendência asiática. “Trabalhando com saquê, eu percebi que muitas pessoas achavam que o meu conhecimento não era algo conquistado e sim algo que eu simplesmente herdei. Mas, no fim das contas, sou brasileira, e, apesar de me sentir parte das duas culturas, levei tempo para compreender essas barreiras. Aceitar que esse tipo de desafio faz parte da sociedade foi um processo. Antigamente, eu achava que as pessoas não entendiam o que eu fazia porque eu não sabia me expressar. Mas, depois, eu percebi que, muitas vezes, elas simplesmente não queriam ouvir. Porém, há uns cinco anos, eu entendi que a melhor forma de lidar com isso era encontrar maneiras de me expressar melhor e colocar a minha experiência e o meu conhecimento no centro do que eu faço”, explica.
Na avaliação de Morgado, a permanência de mulheres no setor, muitas vezes excluídas sob justificativas ligadas à maternidade ou a força física, são problemas no meio. “O mercado de bebidas é um mercado que precisa, às vezes, que você trabalhe até meia-noite, ou carregue mesas, coisas pesadas, e as pessoas, acredite ou não, acabam optando por contratar homem e não uma mulher por causa de pontos específicos como esses. Tem também a questão da permanência. Eu, por exemplo, já ouvi da boca de empresários dizendo que não contratam mulheres porque elas vão engravidar e aí o estabelecimento vai ficar seis meses sem trabalhar e, depois, ainda vai ter o filho que vai requerer tempo da mãe”, pontua.
Amorim enxerga que a lentidão da evolução cultural, a resistência às mudanças e os preconceitos que ainda persistem, mesmo em ambiente progressistas, são aspectos que devem ser mudados. “Não acho que o que a gente passe, como uma profissional mulher, seja exclusivo do mercado de cervejas, é sobre transgredir no tempo mesmo. Em todos os lugares há isso. Sou mãe e sempre fui a responsável financeira pelo meu filho, todos os boletos, todos os cuidados, todos os dias. É um outro desafio que muitas mulheres no mercado passam também. Além disso, trabalhar com bebida, em diferentes perfis de locais e público, é saber lidar com o imprevisível que existem e acontecem. Algo que sempre me tira um sorriso amarelo são aquelas piadas que já não cabem mais em um mundo como o nosso. E vamos poupar os leitores (as) dos exemplos. Evoluir é demorado e dolorido, um pouco mais para alguns. Sorri e acena. Não vale a energia”, pondera.
DICAS PARA OUTRAS MULHERES QUE DESEJAM ATUAR COM BEBIDAS
Por fim, os conselhos dessas profissionais para quem deseja fazer parte do mercado de bebidas no food service são tão diversos, quanto às suas experiências.
De acordo com Yonashiro, é importante aceitar o caminho com todas as dificuldades e aprender com ele. “Acho que o grande desafio – e isso não se aplica só ao mercado de bebidas, mas a qualquer área – é entender a importância do caminho. Pode parecer meio filosófico, mas é fundamental saber que dificuldades e preconceitos vão surgir e o que realmente importa é como nos desenvolvemos ao longo dessa trajetória. Para que mulheres ocupem mais papéis de liderança, é essencial desenvolver resiliência e humildade. É preciso estar disposta a crescer e, ao mesmo tempo, ajudar a desenvolver outras pessoas. Muitas vezes, seremos julgadas e enfrentaremos obstáculos, mas, se tivermos um compromisso genuíno com o conhecimento, com a cultura e com o nosso trabalho, conseguiremos seguir adiante. A grande sacada é entender que o caminho em si já faz parte do aprendizado e do crescimento”, argumenta.
Na visão de Figueiredo, o poder do estudo como ferramenta de posicionamento e respeito se torna um enorme diferencial. “Eu acho que quando nós mulheres queremos entrar em um mercado muito masculino, a gente precisa ter mais conhecimento do que eles, porque isso nos firma, nos gera respeito e posicionamento. Então, eu sempre incentivo as mulheres a fazerem cursos e cursos e formações no mundo dos gins, por exemplo, que são infinitos. Hoje em dia, apesar de vivermos em uma sociedade machista, o mercado é promissor, é contratante e a mulher, afinal de contas, ela tem uma sensibilidade maior do que o homem, o que a torna diferenciada quando se fala de vinho, porque o vinho exige essa sensibilidade”, salienta.
Já dedicação, domínio técnico e a coragem para se impor são algumas das dicas de Morgado. “Temos que nos dedicar, estudar, aprender muito o básico para, depois, testar coisas novas, inovadoras. Não tenha medo de tentar para crescer mais ainda o seu conhecimento e chegar em um ponto onde ninguém vai conseguir tirar de você o que você construiu de conhecimento e de nome, sabe? Então, eu acho que a gente precisa se colocar, se impor”, aconselha.
Amorim, por sua vez, sugere que cada mulher aproveite e colha os frutos de sua jornada, com curiosidade e amor pelo ator de servir. “A carreira é uma escadaria infinita que você precisa curtir cada degrau, sabendo que o vento vai mudando conforme você vai caminhando. Não precisa saber exatamente o que você quer a longo prazo, vai prestando atenção no que está acontecendo e o que você curte se dedicar. Sermos curiosas, olhar para o que é serviço, o que é produto, o que é processo, o que é gestão, o que é cultura. Lá na frente, você decide. Enquanto isso, hospitalidade é servir. Seja copo, seja conteúdo. É um mercado de muito trabalho e de todo tipo de gente e precisa gostar de gente mais do que gosta de bebida”, indica.
Ou seja, seja no bar, na cafeteria, na carta de vinho ou no serviço de saquê, as mulheres estão redefinindo o que é ser protagonista no mercado de bebidas. Dessa maneira, as histórias de Yonashiro, Figueiredo, Morgado e Amorim revelam que, além de talento, é preciso de garra e coragem para romper barreiras, criar oportunidades e inspirar outras mulheres a fazerem o mesmo. Vá em frente você também!
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Fonte: Rede Food Service