Eventos extremos, como ondas de calor, secas, inundações, furacões e incêndios florestais, estão se tornando mais frequentes e intensos. A resposta às emergências climáticas e como lidar com as suas consequências são um desafio para a área da saúde, exigindo esforço coordenado de diferentes atores sociais – governos, especialistas em saúde, pesquisadores do clima, prestadores de saúde e organizações da sociedade civil.
Mas como cada ator pertencente ao ecossistema em saúde pode se preparar para o aumento da demanda assistencial provocada pelas doenças associadas ao clima? Entre hospitais e laboratórios, é clara a necessidade de ação, mas ainda é preciso avançar.
Segundo Francisco Balestrin, presidente da Federação e do Sindicato de Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde do Estado de São Paulo (Fesaúde e SindHosp), ainda não é possível mensurar o quanto as mudanças climáticas severas têm impactado o aumento de demanda por algumas doenças.
“Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, entre 2030 e 2050, as emergências climáticas devem causar aproximadamente 250 mil mortes adicionais por ano no mundo, provocadas principalmente por desnutrição, malária, diarreia, hepatite A, leptospirose e outras doenças infecciosas. Isso sem contar a insegurança alimentar e as consequências para a saúde mental, com o aumento de distúrbios como ansiedade e depressão. Os hospitais já estão sentindo o problema e têm encontrado maneiras de se adaptar a ele, cada um de acordo com a sua especialidade, infraestrutura e localidade.”
Pontos de atenção no enfrentamento das emergências climáticas
Para Balestrin, profissionais e lideranças do setor têm o compromisso ético de falar sobre as mudanças climáticas para exigir que os governos assumam suas responsabilidades e adotem medidas, por exemplo, que melhorem o uso do solo, reduzam a pobreza, estabeleçam códigos de construção mais consistentes e sustentáveis e protejam os ecossistemas.
“É preciso entender que é dever de cada um de nós cuidar do nosso planeta e exigir que esse cuidado encontre eco nas leis e fiscalizações, poupando vidas e recursos financeiros. Mas o setor de saúde também precisa dar a sua contribuição em prol da sustentabilidade. A cadeia produtiva da saúde é uma grande geradora de resíduos sólidos, consome muita água, energia, produtos químicos e é uma das maiores emissoras de gases de efeito estufa”, destaca.
Balestrin segue, dizendo que cada organização deve rever suas escolhas e buscar mitigar os impactos ambientais causados pela sua operação. “Efetivamente, o enfrentamento às emergências climáticas exige ações orquestradas entre as instituições que compõem o complexo econômico e produtivo do setor e o poder público, treinamento dos profissionais de saúde e a elaboração, por parte dos hospitais, de protocolos e planos de contingência como, inclusive, alguns órgãos de acreditação exigem.”
Ao falar em impactos das mudanças climáticas na saúde, é preciso pensar além daqueles causados nas pessoas. Há ainda impactos financeiros, que
ocorrem em diversas áreas. Danos à infraestrutura causados por eventos extremos resultam em altos investimentos para reparos e adaptação dos edifícios às novas condições.
Além disso, há um aumento significativo no consumo de energia devido às ondas de calor e à maior necessidade de climatização, além de custos com o gerenciamento de resíduos e perdas de receita relacionadas à interrupção das atividades.
Mas assim como os hospitais, os laboratórios também têm um papel a desempenhar diante do aumento da demanda provocada pelos efeitos da crise climática, e esse papel deve ser estratégico, urgente e multifacetado.
“É indispensável fortalecer a resiliência da infraestrutura laboratorial, garantir rotas logísticas alternativas e adotar planos de contingência que assegurem a continuidade operacional mesmo diante de eventos críticos. Além disso, é estratégico promover a capacitação contínua das equipes frente a novas demandas assistenciais relacionadas ao clima. A diversificação da matriz energética, a melhoria da gestão de resíduos e a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa também fazem parte desse esforço. Tais iniciativas devem estar articuladas a um modelo de governança ESG sólido, com metas, indicadores e engajamento de toda a cadeia de valor”, cita Daniel Périgo, líder do Comitê ESG da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed).
Atendimento diante das emergências climáticas ainda é um desafio
Os estabelecimentos de saúde, principalmente os hospitais, estão na linha de frente da assistência aos cidadãos afetados pelas emergências climáticas. Para Balestrin, é fundamental contar com profissionais bem treinados desde a prevenção de eventos extremos até a assistência e remoção de pessoas, tanto nos hospitais como em áreas de risco.
Entre os principais desafios elencados por ele para adaptação a essa nova realidade estão garantir o fornecimento de energia durante as catástrofes, contar com suprimentos em número suficiente e com uma infraestrutura capaz de se adaptar rapidamente a essas situações, além de protocolos estabelecidos para essas emergências e um plano de contingência traçado.
Na visão da medicina diagnóstica, Périgo destaca a necessidade de as instituições estarem estruturadas para responder a picos de demanda em contextos de instabilidade. Isso envolve assegurar a cadeia de suprimentos, a estabilidade de sistemas e a resiliência operacional.
“No entanto, há obstáculos relacionados à padronização de protocolos assistenciais em eventos climáticos extremos, ao financiamento de inovações sustentáveis e ao engajamento intersetorial. É necessário avançar na adaptação regulatória e na integração dos laboratórios com os demais atores do ecossistema de saúde para uma resposta coordenada e efetiva às emergências climáticas”, acredita Périgo.
Mas, como acontece em toda crise, a relacionada ao clima pode trazer oportunidades, acredita o executivo. “A crise climática impõe uma urgência transformadora. Para o setor de medicina diagnóstica, ela impulsiona oportunidades em várias frentes: inovação tecnológica (como inteligência artificial e integração de dados), pesquisa e desenvolvimento de novos métodos diagnósticos, qualificação dos profissionais de saúde, diversificação da matriz energética, eficiência na gestão de resíduos e expansão de modelos como a telemedicina. Além disso, empresas que lideram a agenda ESG tendem a ser reconhecidas pelo mercado, atrair investimentos e construir relações mais sólidas com a sociedade”, analisa Périgo.
Hospitais: o desafio de prestar um bom atendimento diante do aumento de demanda
No dia 6 de junho, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) realizou o seminário on-line “Impactos das questões climáticas na saúde e o papel dos hospitais”, em parceria com a CNSaúde e o Hospital Porto Dias.
O evento reuniu especialistas, gestores hospitalares e autoridades para discutir o papel do setor diante da emergência climática, com foco em soluções práticas e sustentáveis. Entre os palestrantes, foi unânime o entendimento de que é hora de agir e focar em ações que mitiguem os impactos ambientais gerados pelas operações e também de se preparar para o aumento da demanda diante da nova realidade.
O Hospital Moinhos Vento é um exemplo de instituição que possui planos estruturados de resposta a catástrofes ou outras crises que possam afetar a operação da instituição. Em 2024, diante das enchentes que impactaram o Rio Grande do Sul, o hospital mobilizou ações emergenciais para manutenção de atendimento à população e, por meio do Instituto Moinhos Social, prestou apoio aos profissionais afetados e à população atingida.
“Foram oferecidos serviços como telemedicina gratuita, suporte em saúde mental, atendimento emergencial, doações de insumos e envio de equipes a abrigos. Essas ações evidenciam uma capacidade estruturada de resposta a eventos climáticos extremos”, diz Mohamed Parrini, CEO da instituição.
O Hospital Moinhos de Vento trabalha com uma Estratégia Climática Integrada, uma das 12 áreas materiais do planejamento estratégico da instituição. Isso inclui ações para mitigação dos impactos das mudanças climáticas, como redução de emissões de carbono e transição energética, alinhadas à estratégia de longo prazo do hospital.
Parrini conta que o Moinhos de Vento vem realizando diversos investimentos em infraestrutura que possam suprir o impacto de eventos climáticos. Alternativas para abastecimento de energia elétrica e água têm sido estimuladas em toda a organização, além do investimento em iniciativas que preservam o meio ambiente e diminuem o impacto das atividades da instituição no futuro do planeta.
“Seguimos ampliando nossos investimentos em infraestrutura e tecnologia com foco em eficiência energética, redução de impactos ambientais e modernização de processos. Um avanço importante foi a ativação de uma nova subestação de energia elétrica, que proporciona maior estabilidade e segurança operacional para todas as áreas do hospital, além de contribuir para um consumo mais eficiente.”
Parrini destaca ainda os investimentos em capacitação profissional como ferramenta de enfrentamento às crises climáticas. “O hospital conta com programas de desenvolvimento para médicos e equipes assistenciais, incluindo treinamentos em qualidade, segurança e práticas clínicas baseadas em evidências. Essa base permite que nos adaptemos às demandas emergentes, como as causadas pelas mudanças climáticas.”
Laboratórios: o desafio da agilidade no diagnóstico
O fato é que hospitais e laboratórios podem liderar o enfrentamento às mudanças climáticas pelo exemplo e pela influência, sensibilizando profissionais de saúde e pacientes sobre os impactos da crise climática na saúde, apoiando ações intersetoriais de adaptação e mitigação de riscos e engajando-se em fóruns de debate.
“O Sabin Diagnóstico e Saúde tem marcado presença em todos os encontros e debates que reúnem as maiores empresas e pesquisadores da medicina diagnóstica para discutir a crise climática. Trabalhamos periodicamente com planos de contingência para atender a problemas locais, como surtos, que demandam reforço no estoque de vacinas e kits de exames, por exemplo”, explica Rafael Jácomo, diretor operacional.
O executivo destaca que os pesquisadores são estimulados a seguirem em suas jornadas de descobertas e investigação em busca de soluções que melhorem os serviços de diagnóstico disponíveis. Neste cenário, ele cita duas iniciativas: o painel de arboviroses e o mini painel respiratório, desenvolvidos internamente nos últimos anos.
“O painel de arboviroses foi desenvolvido em 2024 e se trata de um novo teste capaz de identificar, em uma única amostra, a presença no corpo humano dos vírus da dengue, zika e das febres amarela, chikungunya, do Mayaro e oropouche. Já o mini painel respiratório foi lançado em 2021 e corresponde a um exame que permite a detecção simultânea dos vírus SARS-Cov-2, Influenza A e B, e Sincicial Respiratório a partir de uma única coleta de amostra.”
Apesar dos impactos das mudanças climáticas na saúde já virem sendo pauta na sociedade há alguns anos – o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 1990, já mencionava que as mudanças no clima poderiam afetar a saúde, principalmente por meio da alteração na distribuição de doenças infecciosas e eventos climáticos extremos, os desafios para quem está na linha de frente são muitos.
“Como atuamos tanto no diagnóstico como na prevenção, com diferentes serviços, em algumas situações enfrentamos a quebra no fornecimento de kits e desabastecimento de insumos, devido à alta demanda concentrada. Como parte desses fornecedores são empresas globais, nem sempre as cotas de distribuição desses materiais são feitas de forma a atender totalmente as demandas locais, requerendo algum tipo de ajuste. Por isso, o Sabin investe em pesquisa e desenvolvimento de metodologias alternativas, mais rápidas e de menor custo, que possam otimizar o atendimento”, conta Jácomo.
Como já citado, a responsabilidade do ecossistema de saúde passa pelo desenvolvimento de ações para mitigar danos ambientais. Jácomo cita, como exemplo, a criação de uma tecnologia, no novo Núcleo Operacional Central do Sabin, em Brasília, que reduz a quantidade de tubos plásticos por amostra, contribuindo para a redução dos resíduos sólidos produzidos pela atividade.
Como parte da responsabilidade com boas práticas ambientais, a empresa realiza anualmente o inventário das emissões de gases do efeito estufa e a compensação por meio da aquisição de créditos de carbono gerados por projetos certificados pela Organização das Nações Unidas (ONU).
“Além disso, acompanhamos os indicadores ambientais das operações com o objetivo de reduzir o impacto das nossas atividades no meio ambiente. Em outro pilar ambiental, a migração energética também contribui por priorizarmos fontes limpas, como solar e eólica, para nossas operações.”
O Grupo Fleury também tem atuado para reduzir seus impactos ambientais e se preparar para o aumento na procura de exames diagnósticos. Mas apesar de haver um certo conhecimento sobre a sazonalidade de determinadas doenças, o laboratório ainda enfrenta dificuldades para planejar de forma precisa a demanda.
“Não temos um plano de contingência estruturado. Atuamos com base na experiência e nas doenças que têm aumento em determinadas épocas do ano. No entanto, há doenças com muitos casos não notificados, como é o caso da dengue. Nesse cenário de incerteza é preciso sensibilidade: comprar demais e não usar significa desperdício; comprar pouco, por outro lado, pode comprometer o atendimento à população”, destaca Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury.

A rede de laboratórios conta com uma área de pesquisa e desenvolvimento responsável por adaptar ou desenvolver testes frente a emergências sanitárias. Em contextos de alta circulação viral, também foram criados painéis diagnósticos combinados, como pacotes que testam diferentes arboviroses de uma só vez — uma estratégia que otimiza recursos e encurta o tempo para confirmação dos casos.
Uma preocupação estratégica é a dependência da importação de insumos laboratoriais, o que representa um risco diante de desastres climáticos que afetam a logística global. “Temos que ter capacidade de produzir localmente. Somos um país continental e não podemos ficar vulneráveis aos fornecedores internacionais”, alerta Granato.
A vigilância epidemiológica no Grupo Fleury também se apoia em redes internacionais e canais de alerta rápidos, como o sistema ProMed, utilizado por muitos pesquisadores para identificar precocemente surtos e potenciais ameaças sanitárias globais.
Em relação a medidas para mitigação de emissões, o Fleury adota estratégias como digitalização de documentos para reduzir o uso de papel; uso de drones para transporte de amostras biológicas; otimização de rotas de coleta com inteligência artificial, diminuindo o consumo de combustíveis fósseis, e a elaboração do inventário de suas emissões de gases de efeito estufa desde 2009. Além disso, o laboratório busca aprimorar a eficiência energética em suas operações e explorar fontes de energia renovável, como a solar.
Diante dos efeitos cada vez mais evidentes das mudanças climáticas sobre a saúde, torna-se inegável a responsabilidade de hospitais e laboratórios não apenas na resposta assistencial, mas também na mitigação dos próprios impactos ambientais que esses setores geram.
Leia mais de Cristina Balerini – Especial para o Saúde Business