“Vi um universo paralelo”, observou o físico Michel Devoret, de 72 anos, ainda em estado de choque, poucos dias depois de receber o Prémio Nobel, em 7 de outubro, juntamente com o britânico John Clarke e o norte-americano John Martinis. Ele quase sentiu como se existisse em dois estados ao mesmo tempo, assim como os objetos quânticos que estuda. Estava, claro, feliz, mas também nervoso e irritado por ser visto como egocêntrico, quando elogiava constantemente os seus “excelentes” colegas, co-laureados e membros das diversas equipas com que tinha trabalhado.
A metáfora não era nada trivial, já que o trio de pesquisadores foi homenageado por demonstrar que a mecânica quântica, a preservação do infinitamente pequeno, pode produzir efeitos macroscópicos surpreendentes – como o efeito túnel, que a Academia Sueca, na entrega do prêmio, comparou a uma bola passando por uma parede. “Prefiro a imagem de uma partícula trancada numa prisão que escapa por um túnel”, corrigiu Devoret, ilustrando, da Califórnia por videoconferência, o seu dom para metáforas.
“Ele tem um vasto conhecimento de cinema, teatro e quadrinhos, o que alimenta sua capacidade de criar imagens um pouco selvagens, mas precisas”, disse Zaki Leghtas, professor da École des Mines de Rance, que trabalhou durante vários anos com o laureado. Durante a pandemia de Covid-19, Devoret chegou a lançar um curso com um colega da Universidade de Yale, em Connecticut, sobre cinema e física. Nele, ele mostrou como Janela traseira (1954), de Alfred Hitchcock, ilustra o papel do observador na física quântica – uma questão fundamental ainda em debate. Ousado, mas fruto de um longo abraço com a ciência.
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Fonte: Le Monde













