O mercado de saúde brasileiro passa por uma transformação significativa e o modelo direct to consumer (DTC) ou out of pocket ganha protagonismo. No Healthcare Innovation Show (HIS), o painel “B2B ou B2C: a saúde está pronta para chegar ao coração e ao bolso dos consumidores?” revelou dados surpreendentes sobre este segmento que já movimenta mais recursos que a própria saúde suplementar.
Mercado out of pocket supera saúde suplementar
O Brasil gastou aproximadamente 1,08 trilhão de reais em saúde em 2024, segundo dados da Anahp, apresentados por Emerson Gasparetto, CEO da UNIO e colunista do Saúde Business.
Deste montante, 460 bilhões foram destinados ao SUS, enquanto o gasto com out of pocket atingiu 317 bilhões de reais, superando os 309 bilhões investidos em saúde suplementar. Estes números evidenciam a magnitude de um mercado que muitas vezes passa despercebido pelos gestores do setor.
No modelo DTC ou out of pocket, que significa pagar do próprio bolso, o paciente tem a despesa de um tratamento pago diretamente ao médico, em vez de ser coberto por um plano de saúde.
O formato está promovendo uma mudança cultural significativa na relação médico-paciente. Profissionais que atuam neste segmento passaram a se referir aos pacientes como “clientes”, o que reflete uma dinâmica de atendimento mais próxima ao varejo.
Para Gasparetto, a escalabilidade deste mercado pode gerar impactos positivos significativos no sistema de saúde brasileiro. “Desafogaria o SUS e ampliaria o acesso para quem ainda não tem saúde suplementar”, pontua.
Atualmente, 47% da população brasileira escolhe com o que gastar em saúde, o que corresponde a 102 milhões de brasileiros de baixa e média renda sem acesso à saúde suplementar. Os dados foram demonstrados por Paulo Yoo, diretor médico do Dr. Consulta, a partir de informações do Morgan Stanley, IBGE e Company.
Hapvida: adaptação regional e atendimento personalizado
Jorge Aguiar, diretor corporativo de TI da Hapvida, compartilhou os desafios enfrentados pela operadora na transição para um modelo mais personalizado.
“Com a unificação da operação da Hapvida com a Notre Dame, que aconteceu nos últimos três anos, nossa base de dados recebeu um volume expressivo de planos individuais, no quais quem paga é o próprio beneficiário”, explica.

Com 9 milhões de vidas em todo o país, o grupo possui 1,2 milhão de beneficiários em planos individuais, chegando a 3 milhões quando considerados os planos coletivos, no quais o próprio beneficiário é o pagante.
A necessidade de individualização do atendimento levou a Hapvida a investir massivamente em tecnologia da informação. A empresa conta com mais de mil colaboradores na área de TI, sendo 200 dedicados exclusivamente aos processos digitais.
Este investimento busca proporcionar uma experiência digital superior, personalizada, e jornadas mais fluídas para clientes, que são mais exigentes por serem os responsáveis diretos do pagamento.
O desafio da diversidade regional brasileira exigiu soluções tecnológicas específicas, como a necessidade de atender diferentes culturas e perfis de beneficiários. A Hapvida desenvolveu um call center com mais de 6 mil postos de atendimento, capaz de oferecer tratamento regionalizado por meio de informações consolidadas e sistemas unificados.
Gestão do absenteísmo via tecnologia
Um dos principais desafios operacionais abordados foi o absenteísmo em consultas, que tradicionalmente atingia 30% no mercado. A Hapvida conseguiu reduzir este índice para 13% por meio de estratégias de comunicação digital intensiva.
“Fizemos isso chegando próximo ao beneficiário, notificando que ele tem uma consulta em outro dia. Hoje a gente emite, mais ou menos, 10 milhões de WhatsApps por mês, 20 milhões de pop-ups nos nossos aplicativos e 15 milhões de SMS”, conta Aguiar.
Em Porto Alegre, a implementação de penalidades por não comparecimento, similar ao modelo de companhias aéreas, resultou em uma redução dramática do absenteísmo para menos de 3%. Esta abordagem demonstra como adaptações regionais podem gerar resultados excepcionais quando alinhadas às características culturais.
Dr. Consulta: foco no NPS e acesso imediato
Paulo Yoo, diretor médico do Dr. Consulta, enfatizou a importância do Net Promoter Score (NPS) como métrica fundamental para o sucesso, no modelo out of pocket.
Com 4 milhões de pacientes únicos, a empresa estabeleceu o NPS como meta corporativa, com o CEO sendo acionado pessoalmente em casos de insatisfação do paciente. Esta abordagem levou aos atuais 80 pontos e reflete a necessidade de excelência no atendimento quando o cliente paga diretamente pelo serviço.
O diferencial competitivo da Dr. Consulta reside no acesso imediato aos serviços. A empresa garante disponibilidade de consultas com os especialistas, como clínicos, pediatras, ginecologistas, ortopedistas e neurologistas, para um prazo de um a três dias.
No caso da telemedicina, que atende mais 600 mil pacientes ao mês, o atendimento é no mesmo dia. A meta operacional estabelece que consultas não devem ser agendadas com mais de uma semana de antecedência, priorizando a agilidade no atendimento.
A assertividade também é importante, pois evita consultas extras e exames desnecessários, que geram mais custos para os pacientes.
A sensibilidade ao preço no modelo DTC exige maior eficiência operacional e qualidade superior no atendimento. Os pacientes, por estarem pagando diretamente pelo tratamento médico, demonstram expectativas mais elevadas quanto à qualidade do serviço, fluidez no atendimento e percepção de valor entregue.
“Tenho que ser muito eficiente, porque o meu paciente é diferente do plano de saúde”, afirma Yoo. Esta transformação contrasta com o modelo tradicional de saúde suplementar, no qual o beneficiário não tem percepção direta do custo dos serviços.
Inteligência artificial e engajamento do paciente
A evolução do modelo de negócio do Dr. Consulta incluiu a descontinuação dos planos de saúde tradicionais para focar exclusivamente no cartão de saúde, que hoje abrange mais de 480 mil beneficiários.
Mudar resultou em maior engajamento. Pacientes com cartão utilizam os serviços 2,5 vezes por ano, comparado a uma vez por ano para usuários puramente out of pocket.
A implementação de inteligência artificial conversacional representa uma inovação significativa no engajamento do paciente. Após extensivos testes com mais de 100 scripts diferentes, a empresa desenvolveu um sistema de IA personalizado que mantém contato contínuo com os pacientes.
Usuários que interagem com a IA apresentam 60% maior utilização dos serviços, o que resulta em melhor Lifetime Value (LTV) e redução do churn.
Perspectivas para o setor de saúde suplementar
O crescimento do mercado out of pocket representa tanto uma oportunidade quanto um desafio para operadoras tradicionais. A necessidade de adaptação inclui investimentos em tecnologia, personalização do atendimento e desenvolvimento de jornadas digitais mais eficientes.
A experiência compartilhada pelos executivos demonstra que o sucesso no modelo out of pocket requer uma abordagem fundamentalmente diferente, priorizando a experiência do cliente, agilidade no atendimento e uso intensivo de tecnologia para manter o engajamento e a satisfação dos usuários.
As empresas que conseguirem equilibrar a eficiência operacional da verticalização com a personalização exigida pelo modelo DTC estarão mais bem posicionadas para aproveitar esta oportunidade de mercado.
O próximo Healthcare Innovation Show já tem data marcada, 16 e 17 de setembro de 2026, no São Paulo Expo.