Um projeto pioneiro está transformando a detecção precoce do câncer de mama em Itaberaí, Goiás. Nos últimos três anos e meio, 70 agentes comunitárias de saúde foram especialmente treinadas para realizar exames físicos de mama durante visitas domiciliares, como parte de uma pesquisa clínica denominada “Projeto Itaberaí”. A iniciativa, que busca identificar tumores em fase inicial para reduzir o tempo de tratamento e aumentar as taxas de sobrevida, ganhou destaque internacional ao ser apresentada no Congresso Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), principal evento mundial da especialidade.
“Nosso objetivo é reduzir em, pelo menos, 20% o número de tumores diagnosticados em estágio avançado”, explica o Dr. Ruffo de Freitas Junior (CRM 6107/GO), oncologista, pesquisador e professor titular da Universidade Federal de Goiás, que lidera o estudo.
O programa de capacitação foi abrangente e meticuloso. As agentes de saúde, todas mulheres, receberam formação teórica e prática, tanto presencial quanto online, ministrada por médicos especialistas. “Elas aprendem desde a abordagem da paciente até a técnica de apalpação para identificar os nódulos e os procedimentos subsequentes, visando agilizar o tratamento”, detalha o médico. Na fase seguinte, enfermeiras treinadas supervisionaram as agentes durante as primeiras visitas domiciliares.
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O estudo randomizado envolveu 3.359 moradoras de Itaberaí com 40 anos ou mais, divididas em dois grupos. No grupo controle, as visitas das agentes seguiram o protocolo padrão do Ministério da Saúde, com orientações sobre autoexame e mamografia bienal para mulheres acima de 40 anos. Já no grupo de intervenção, além dessas informações, as mulheres receberam o exame físico realizado pelas agentes capacitadas.
“Nossa estratégia visa detectar lesões entre 1 e 3 centímetros para iniciar o tratamento na fase inicial”, esclarece Dr. Ruffo. Quando um nódulo é identificado, a Unidade Básica de Saúde (UBS) é notificada, permitindo que as agentes discutam o caso com mastologistas do Complexo Oncológico de Referência do Estado de Goiás (Cora). A partir daí, a paciente é encaminhada para consulta na UBS e realização de mamografia e outros exames necessários.
Os resultados preliminares, apresentados na ASCO, são expressivos: observou-se uma redução de 50% no tamanho dos tumores no momento do diagnóstico no grupo de mulheres examinadas pelas agentes comunitárias, em comparação com o grupo controle que seguiu apenas as recomendações padrão do Sistema Único de Saúde (SUS).
Desafios no cumprimento da Lei dos 60 dias
A detecção precoce é crucial para agilizar todo o processo de diagnóstico e tratamento. Atualmente, apenas 60% das mulheres que utilizam a rede pública de saúde com suspeita de câncer de mama conseguem realizar os exames necessários dentro do prazo legal de 30 dias após o primeiro sinal.
Segundo o Radar do Câncer, ferramenta desenvolvida pelo Oncoguia, em 65,4% dos casos de câncer de mama em 2024, a Lei 12.732/12 (Lei dos 60 dias), vigente desde maio de 2013, não foi cumprida. Esta legislação determina que o tratamento oncológico deve ser iniciado em até 60 dias após o laudo confirmatório da doença. Outro dado preocupante revela que 53,6% das mulheres iniciaram o tratamento quando o câncer já estava em estágio avançado nos últimos três anos.
Parcerias estratégicas
O estudo conta com o apoio do Programa de Incentivo à Pesquisa (PIP) da Libbs, que oferece suporte a pesquisas conduzidas por investigadores brasileiros. Além do financiamento, a Libbs forneceu apoio técnico estatístico e avaliação da qualidade dos dados coletados. O Instituto Natura também contribui com o projeto, auxiliando na gravação e disponibilização de aulas teóricas online para as agentes de saúde.
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