Entre o passado inflacionário e o presente incerto, BC coloca Selic em 15% — sem pressa de sair daí

O Banco Central deixou uma mensagem contundente nesta SuperQuarta. A autoridade monetária deu o último trisco, aumentando a Selic em 0,25 p.p. e avisou que o ciclo de alta está encerrado nos atuais 15%. E quando começam os cortes? Ninguém sabe, ninguém viu.

O Copom tem consciência de que guiará a política monetária brasileira em um cenário de baixa visibilidade nos próximos meses, o que impede qualquer antecipação ao mercado.

No início do mês, em um evento da Esfera Brasil, Gabriel Galípolo disse que não tem jeito: a incerteza é grande demais no mundo inteiro e o Bacen, assim como outras autoridades monetárias, está muito dependente de dados. Ainda destacou que, no Brasil, o passado se faz bem presente em suas análises: “Somos um caso raro de país que teve 15 anos de inflação nos três dígitos”, lembrou.

De fato, Brasil e inflação é caso antigo – e duradouro. Além da estatística que Galípolo citou, somos o único país do mundo a ter passado por inflação de dois dígitos por 42 anos seguidos, entre 1953 e 1995.

Nas últimas semanas, no entanto, os defensores de uma Selic mais baixa ganharam alguns argumentos. Vamos a eles.

Um conto de duas Selics

O dólar baixou bem e ficou aquém dos R$ 5,50 pela primeira vez em oito meses, acumulando uma queda de 11% no ano. Não é pouca coisa e também não é trivial o momento de fraqueza do dólar, tanto em relação a moedas de países emergentes quanto comparado a divisas fortes.

O galope da dívida americana aumenta a desconfiança dos investidores, que buscam outros destinos para parte de seu dinheiro – Brasil incluído. Com mais dólares entrando, a oferta de moeda americana cresce, e o preço dela em relação ao real diminui. Dólar mais baixo diminui o preço de importados e de ítens que flutuam de acordo com a moeda americana (carne, grãos, combustíveis). Isso pressiona a inflação para baixo, dando espaço para um início de cortes.

Leituras recentes do IPCA também foram um regalo à turma mais dovish. A inflação do mês de maio desacelerou e ficou em 0,26%, abaixo da mediana das expectativas do mercado. Indicadores de atividade como a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) também indicam arrefecimento da temperatura econômica brasileira, o que pode indicar que a política monetária contracionista está fazendo o efeito pretendido.

Por outro lado, convém lembrar que o IPCA acumulado em 12 meses está em 5,32%, acima do limite da meta do BC, que é de 4,5%.

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Ou seja, ainda tem chão – e juros altos – até que a inflação chegue à meta. E ainda há quem acredite que o BC não está tão comprometido assim com o centro dela, hoje em 3%. O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, está no time dos descrentes. “Se fosse o BC do Ilan [Goldfajn] ou do [Henrique] Meirelles, a Selic estaria em 18% agora”, provoca.

A expectativa do mercado compilada no relatório de mercado Focus da última segunda-feira (13) é de IPCA em 5,25% neste ano. Para 2026, está no limite da meta, em 4,5%.

Dizendo de outra forma: alguns números podem até estar melhores, mas não é o suficiente para sedimentar no mercado a percepção de inflação sob controle. Além disso, a inflação de serviços não arrefeceu, o mercado de trabalho segue apertado, a massa salarial continua crescendo… enfim, um cenário propício para alguma pressão inflacionária que pode vir a qualquer momento.

Há ainda o fator Trump. Nesta Superquarta, o Federal Reserve optou por manter a taxa de juros na faixa de 4,25% a 4,5%, mas deixou no radar a possibilidade de dois cortes no segundo semestre. A economia americana está crescendo menos, o que pode compensar parcialmente a pressão inflacionária advinda das tarifas que o republicano transformou em uma das bases de sua política econômica. O problema é que ainda é cedo para calcular o impacto das tarifas sobre os preços e cadeias logísticas.

Homem de terno preto segurando uma grande seta azul apontada para cima, contrastando com várias setas roxas e azuis que apontam para baixo.Homem de terno preto segurando uma grande seta azul apontada para cima, contrastando com várias setas roxas e azuis que apontam para baixo.
Ilustração: João Brito

E o vaivém constante de Trump dificulta ainda mais as contas, assim como abala os modelos matemáticos que estimam o futuro do mercado de trabalho da maior economia do mundo – neste caso, um aspecto econômico que também é afetado pelas políticas antimigração do governo Trump. Nos EUA, a inflação deve terminar o ano próxima aos 3%, acima da meta longa do Fed, que é de 2%.

O que acontecer por lá, claro, poderá afetar os fluxos financeiros para o Brasil, a balança comercial, o poder de compra da moeda, enfim, uma miríade de dados e dinâmicas de preços que precisam ser consideradas pelo Banco Central na hora de dirigir a política monetária.

E ainda há o cenário eleitoral do Brasil. A política vai pesar cada vez mais nas projeções conforme se aproximam as eleições presidenciais do ano que vem. O governo Lula tem um último ano para tentar recuperar a popularidade perdida no último semestre e já deu mostras de que pretende fazer isso por meio do aumento de gastos.

No mercado, há quem veja Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo, com uma mão na taça. Se essas leituras – ou seriam torcidas? – já parecem bastantes precoces, imagine estimar possíveis resultados econômicos de um hipotético governo de um político que, por ora, é só um candidato potencial.

Se ainda é cedo para falar em baixar juros – e é –, tampouco é possível estimar agora por quanto tempo a Selic permanecerá tão alta.

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Fonte: Invest News

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