Como Roberto Carlos e Irmã Dulce ajudaram Raul Seixas a despontar na música

LUCAS FRÓES
SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Antes de se tornar o maluco beleza, Raul Seixas foi Raulzito, ainda que neste já estivesse muito daquilo que o consagraria posteriormente.

Na década de 1950, em Salvador, Raul -cujos 80 anos são lembrados neste sábado (28)- e seu irmão Plínio conseguiram roubar duas cadernetas de presença no dia da matrícula na escola. Com elas em mãos, matavam aula para ouvir música numa loja de discos. Depois, carimbavam os papéis e mostravam em casa aos pais.

Graduado em rock ‘n roll, Raulzito se uniu aos fãs pioneiros do gênero na capital baiana que idolatravam Elvis Presley. “Eu conheci Raul de 1955 para 1956, e conhecia Waldir Serrão porque a irmã dele era presidenta do fã-clube de Cauby Peixoto”, disse Edy Star, em entrevista a uma rádio baiana, no ano passado. “Fundamos o Elvis Rock Club naquela casa onde era o fã-clube de Cauby. Naturalmente, nós fazíamos aqueles trejeitos de Elvis de ficar rodando a perna.”

Edy, que morreu em abril deste ano, depois gravaria com Raul o álbum “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10”, de 1971. Também estava com uma campanha de financiamento coletivo para lançar “Ao Meu Amigo Raul Seixas”, disco inédito que gravou com sucessos do cantor.

No Largo de Roma, perto do Elvis Rock Club, funcionava o Cine Roma, imóvel que pertence até hoje à entidade Obras Sociais Irmã Dulce. Nos anos 1960, a futura santa teve papel importante no caminho de Raul Seixas no rock.

“Através de Waldir Serrão, que morava perto, eles procuraram o frei Hildebrando Kruthaup. Ele e Irmã Dulce descobriram que, além do cinema, o Cine Roma poderia também ganhar um trocado sendo alugado para shows de rock”, diz o pesquisador Zezão Castro, autor do livro “A Jovem Guarda na Bahia”.

Com a liberação dos religiosos, que ajudavam os mais pobres com o que arrecadavam, começaram as “domingueiras” do Cine Roma. “Os administradores ganhavam dois dinheiros -o do cinema e o dos shows”, diz Castro, que recentemente cantou num coral dentro do antigo Cine Roma, onde hoje funciona o Santuário Santa Dulce dos Pobres.

Naquele início de carreira, o conjunto Raulzito e seus Panteras também se aventurava longe do point principal do Cine Roma. Para isso, Raul foi pedir apoio do crooner e contrabaixista Bira -que ficaria famoso por sua risada nos programas de Jô Soares.

“Eu tenho um grupo que está tocando Beatles, e eu gostaria que você me apresentasse alguns nomes de casas boas, onde eu possa fazer esse repertório”, disse Raul Seixas a Bira, que contou a história numa entrevista, há nove anos. Bira levou Raulzito e seus Panteras até o Dendê Bar, onde se apresentava. “Eles arrasaram, cara! A linguagem era essa naquela época”, contou Bira no programa.

“O Dendê Bar era um lugar que revezava atrações de Jovem Guarda e bossa nova”, diz Castro. “Quando a Jovem Guarda estourou, o rock foi aceito, deixou de ser maldito no estouro de Roberto Carlos”, diz. “Mas os colunistas de Salvador ainda xingavam os cabeludos”.

Numa época em que cantores faziam turnês sem bandas de apoio, sendo acompanhados por músicos locais, Roberto Carlos se juntou aos cabeludos de Raulzito e seus Panteras. Em 1965, um show no ginásio Balbininho e outro no sagrado Cine Roma os uniu momentaneamente.

Dois anos depois, no Rio de Janeiro, o rei não esqueceu dos baianos e interveio para que o conjunto -agora com a leve mudança de nome para Raulzito e Os Panteras, formado por Raul, Carlos Eládio, Mariano Lanat e Carleba Castro depois de várias formações- gravasse seu primeiro e único LP.

“A gente tava no corredor da [gravadora] CBS tentando falar com o diretor Jairo Pires. A gente não conseguia passar do corredor, e aí sai de uma porta o Roberto Carlos, que já era o rei. Ele viu a gente, parou e cumprimentou”, disse o guitarrista Eládio no documentário “Moleques Maravilhosos”.

Roberto falou com o diretor, e Raulzito e Os Panteras entraram imediatamente no estúdio, o tempo todo sob os olhares do astro. Da CBS, eles foram encaminhados para gravar na Odeon.

“Só depois da morte de Raul é que esse disco virou cult”, diz Zezão Castro. Um dos destaques do disco é “Você Ainda Pode Sonhar”, versão de “Lucy in the Sky with Diamonds”, dos Beatles.

“Pense num dia com gosto de jaca”, era o verso que Raul escreveu para abrir a canção. “Aí, leva-se a música para Milton Miranda [diretor da Odeon], ele ouviu e disse: ‘não, isso não pode'”, afirmou Eládio durante a Flipelô do ano passado, que homenageou Raul.

Raulzito, então, argumentou que, se existe a expressão “acordar com gosto de cabo de guarda-chuva na boca”, então por que não poderia ter gosto de jaca? O diretor continuou irredutível, e o verso teve que ser mudado.

Sem saber, mas lembrando da própria infância, o artista fez jus à história original daquela canção, que surgiu após John Lennon ver um desenho de seu pequeno filho Julian. “Pense num dia com gosto de infância/ Sem muita importância, procure lembrar/ Você, por certo, vai sentir saudades/ Fechando os olhos, verá”.

Fonte: Notícias ao Minuto

Compartilhe essa notícia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *