Como esta importadora de vinhos tornou suas taças de cristal um hype do mercado

Bloomberg Línea — Um pequeno acidente causou a quebra de um par de taças de vinho no chão durante um evento da importadora Berkmann, no fim de junho. Na ocasião, uma sommelière convidada imediatamente perguntou se eram da Tanyno.

Um dos organizadores confirmou, o que abriu uma conversa ampla sobre a qualidade do cristal usado pela marca e o quanto valorizava os vinhos de luxo da vinícola italiana Antinori que estavam sendo degustados.

Esse é um caso entre muitos que têm se tornado comuns nos ambientes de consumo de vinhos de luxo no Brasil. Não é raro que a atenção deixe de ser apenas a bebida e passe a ser também a forma como ela é servida e chega a quem bebe.

Em uma loja de vinhos que oferece degustações, recentemente o atendente se prontificou a informar que eram taças da Tanyno. E até Marcelo Fonseca, do Evvai, apontado pelo Guia Michelin como o melhor sommelier do país neste ano, revelou em entrevista à Bloomberg Línea que usa as taças da marca para valorizar as bebidas em seu serviço no restaurante que tem duas estrelas do guia.

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Esse “pequeno fenômeno”, no entanto, não é tão somente fruto do acaso.

Por trás há uma estratégia pouco usual de uma importadora de vinhos. Quando surgiu, durante a pandemia, a importadora Tanyno apostou em vender, além da bebida, taças de cristal artesanais, feitas a sopro e ultraleves desenvolvidas com parceiros industriais na China.

Era uma forma de dispor de um “abre-portas” estratégico para conseguir acesso a restaurantes, os principais clientes da empresa.

“Quando fomos abordar os restaurantes, chegamos justamente com as taças e deixamos o vinho como segundo assunto. Isso foi importante”, disse o francês Guillaume Verger, fundador da marca, em entrevista à Bloomberg Línea.

Por mais que o mercado brasileiro já conhecesse taças sopradas de alta qualidade de marcas europeias, como Zalto e Gabriel Glas, elas chegavam sempre a preços considerados elevados, de até a R$ 500 por unidade.

A Tanyno fez uso da expertise em comércio exterior de Verger e da conexão com fábricas chinesas para desenvolver um produto com experiência sensorial similar, mas um valor bem mais baixo – o jogo de seis taças mais simples é vendido por R$ 379 no site da importadora.

“O ponto é que a Tanyno chegou para ser o luxo acessível”, disse o empresário.

“Quando o restaurante recebe os clientes, não precisa mais colocar milhares de reais em taças na mesa. Vai colocar as da Tanyno porque, se quebrar, não vai precisar ‘vender um rim’”, disse.

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Essa viabilidade econômica versus pares europeus, aliada à qualidade, tornou as taças um diferencial que ganhou a atenção do mercado enófilo.

As taças acabaram se tornando um dos produtos mais conhecidos da empresa e o principal gerador de reconhecimento. E ganhou peso econômico, a tal ponto que hoje representa de 10% a 15% do faturamento da importadora, segundo Verger.

Mas o papel delas vai além da receita direta: são um vetor para aproximar o restaurante, compor uma narrativa de experiência e, possivelmente, destravar a venda de vinhos premium. “A taça foi uma surpresa que criou um buzz”, disse Verger.

Para ele, a relação é quase intuitiva.

“Quando você conecta algo de qualidade a um consumidor, provavelmente ele tem vontade de se entregar mais para a experiência.”

Isso pode significar a escolha por um vinho mais caro ou o estímulo para optar pelo vinho em vez de uma cerveja. “Talvez ele estivesse pensando em tomar uma cerveja, mas aí ele vê a taça bonita e pede um vinho”, disse.

Segundo ele, o produto gera um “vício” sutil e uma diferenciação no longo prazo.

“A taça é bem simples, é isso que fazemos em experiência. Ela se torna um vício a partir do momento em que você começa a usá-la. E um dia você volta à taça Bohemia e fica frustrado. Ou seja, não é algo que você percebe na hora.”

A produção das taças é feita em fábricas na China, que possibilitam escalar a fabricação do sopro artesanal – algo financeiramente inviável em grandes quantidades na Europa para o padrão de preço da Tanyno.

Do ponto de vista técnico, a Tanyno desenha os modelos das taças e define padrões rigorosos de peso, leveza e espessura do cristal.

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Para que cada peça ofereça elegância e sensibilidade ao toque, a receita do vidro conta com a adição de metais, que “vão dar resistência à taça e a flexibilidade dela”. Isso permite afinar as paredes sem que a taça quebre facilmente.

“Não buscamos ser melhores que ninguém. O que sabemos é que ‘o que pega’ o consumidor é o efeito de leveza – isso traz um toque, elegância e entrega uma experiência melhor”, disse.

Expansão para outros mercados

O sucesso das taças no Brasil já impulsiona uma expansão internacional.

“Neste ano vamos iniciar nossa operação na França. Já temos um importador na Itália e começamos a abrir mercado fora”, disse Verger.

A expectativa é tornar a Tanyno Glass uma marca global, com o mesmo modelo que a projetou no Brasil.

Esse processo inclui ajustes no portfólio para garantir essa expansão.

A Tanyno reorganizou suas linhas de taças e priorizou a chamada Village, com haste levemente mais grossa e espessura de cristal um pouco maior para aumentar a resistência.

A decisão veio de um aprendizado após perceber que o mercado não se importava tanto em dispor da taça mais fina do mundo mas, sim, em garantir que ela durasse o suficiente para não transformar uma quebra em prejuízo duplo, financeiro e emocional.

“Quando quebra, não é só o custo. Quando quebra, é sempre um momento ruim. Porque cai o vinho ou alguém pode se machucar”, disse Verger.

A popularização das taças entre enófilos também ajuda a dar visibilidade à importadora de vinhos, ainda a principal atividade da Tanyno.

“Toda a operação foi criada para vender produtos de alto valor agregado a um preço mais agressivo para os restaurantes e as adegas, para devolver à distribuição esses produtos de qualidade”, disse Verger.

Segundo ele, ao longo das últimas duas décadas, o Brasil testemunhou seu mercado de vinho se transformar de forma drástica.

Se antes a importação era um privilégio de grandes empresas, com estruturas robustas e custos elevados, a virada dos anos 2010 trouxe uma flexibilização crucial. A possibilidade de pequenas empresas operarem sob o regime do Simples Nacional e obterem uma licença de importação mudou o jogo.

“Isso basicamente reduziu em cerca de 35% o preço de uma importadora robusta, que tinha uma operação mais pesada e dependia de intermediários para distribuir seus produtos”, explicou Verger.

Em paralelo, o boom do e-commerce e a mudança no comportamento do consumidor, que passou a buscar vinhos de maior valor agregado diretamente de importadoras ou revendedores, desfavoreceram o canal de restaurantes.

Com custos de operação elevados e margens apertadas, muitos estabelecimentos se viram sem preços competitivos para atrair clientes.

“Enfrentamos certa resistência no mercado quando entramos nos restaurantes”, lembrou Verger, porque os estabelecimentos “não entenderam que nós [da Tanyno] estávamos entregando o preço correto para ele justamente voltar a vender esses produtos de alto valor agregado no seu estabelecimento.”

O resultado dessa dinâmica foi uma espécie de padronização das cartas de vinho, com priorização de rótulos mais comerciais.

“Isso [essa padronização] foi extremamente nefasto para o mercado, porque tirou todo o valor do sommelier dentro do estabelecimento”, avaliou Verger. O resultado foi um ambiente menos favorável à venda de vinhos premium.

E foi com esse foco que a Tanyno passou a operar, sempre usando as taças para abrir portas e ajudar a promover a operação com foco no luxo.

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