Na corrida pela transformação digital da saúde, a inteligência artificial (IA) já não é apenas promessa — é ferramenta em operação. Enquanto hospitais e operadoras testam os limites dessa tecnologia, uma questão ganha protagonismo: como fazer da IA um recurso que não afasta, mas reaproxima o médico do paciente?
Para Rogério Pires, diretor de Produtos para Saúde da Totvs, o caminho passa por maturidade digital, governança ética e, acima de tudo, por uma visão estratégica que coloque o profissional de saúde no centro da inovação. “A IA pode libertar o médico da burocracia e permitir que ele seja, de fato, mais humano”, defendeu o executivo, em entrevista, durante o Universo Totvs 2025.
A percepção de que a saúde é um dos setores com maior potencial de transformação também é compartilhada por Sharon Gai, especialista em IA e ex-head do Alibaba, que também esteve no evento.
“A área da saúde é uma das mais arcaicas e tradicionais. Os médicos, em geral, são menos familiarizados com tecnologia e não são tão inclinados a usar ferramentas de IA ou mudar a forma como trabalham. Mas, justamente por ser tão processual, a saúde pode se beneficiar imensamente da inteligência artificial”, pontuou.

Da eficiência à experiência: estágios da IA na saúde brasileira
Para que a inteligência artificial realmente transforme a prática médica e melhore a experiência do paciente, o setor ainda precisa amadurecer em pontos-chave como ética, segurança e dados. A IA nas instituições de saúde já é uma realidade — embora ainda em construção, com fases bem definidas de evolução.
A primeira onda da IA na saúde brasileira foi centrada quase exclusivamente em ganhos de eficiência operacional. “Nos últimos dois anos, as instituições focaram muito na prevenção de fraudes, na gestão do ciclo de receita e em processos como a efetividade da glosa, reembolsos e otimização hospitalar”, explicou o executivo.
As operadoras de saúde saíram na frente nesse processo, justamente por lidarem com grandes volumes financeiros e riscos recorrentes. “São as operadoras que mais vêm adotando predição e modelos de linguagem de larga escala ( LLMs em inglês – large language model) para tornar suas operações mais eficazes”, afirmou Pires. Hospitais de alta complexidade também avançam, especialmente em áreas como gestão de blocos cirúrgicos, farmácia e ocupação de leitos.
Por outro lado, hospitais de médio porte, pequenos e filantrópicos ainda enfrentam obstáculos significativos. “A IA é a cereja do bolo. Antes disso, é preciso consolidar toda a jornada digital. Muitos ainda estão um passo atrás nesse caminho”, alertou o diretor.
IA como copiloto da prática clínica
A nova fronteira da IA na saúde, para Pires, está na relação com o paciente. “Agora, o foco deve ser o bem-estar do paciente. A IA vai transformar a prática médica ao permitir que o médico trate de forma mais humana, com mais tempo para ouvir, menos foco em preencher sistema”, ressaltou.
Ele compara o avanço da IA ao conceito de copilot, muito presente na tecnologia. “Já temos copilotos em ferramentas digitais. Acredito que o copilot do médico é algo que veio para ficar. O médico poderá ter um assistente digital para sugerir condutas, apoiar diagnósticos e organizar a jornada clínica”, destacou. Isso se aplica inclusive na análise de exames – “em especial na radiologia, onde a IA já mostra desempenho mais assertivo que o olhar clínico isolado.”
Mas o executivo é claro ao estabelecer limites: a IA não substitui o profissional. “Ela deve ser suporte, nunca substituição. Isso precisa estar muito claro para evitar riscos, inclusive para a saúde pública”, destacou.

Ética, dados e interoperabilidade
Embora os ganhos já sejam visíveis, o setor ainda precisa avançar em temas críticos para sustentar o uso responsável da IA. “Estamos na estaca zero em termos de governança e ética. Não existe hoje uma normalização no setor saúde. Isso vai exigir articulação com conselhos médicos, de enfermagem e associações hospitalares.”
Outro ponto central é a segurança da informação. A Totvs, segundo Pires, criou a plataforma DTA, que encapsula diferentes LLMs de forma segura, respeitando a LGPD e garantindo que dados dos clientes não sejam expostos publicamente. “Sem dado, não há IA. E sem segurança, não há confiança. É uma prioridade absoluta.”
Pires também destaca o papel dos agentes autônomos de IA, que começam a atuar em funções administrativas como revisão de contas, agendamentos, gestão de filas e ocupação de leitos. “Eles podem libertar enfermeiros e médicos para se dedicarem ao cuidado – o que, no fim, torna as instituições mais rentáveis.”

Realismo e estratégia na jornada digital
Para quem ainda está começando a digitalização, o conselho de do executivo é direto: “Não se assustem. A IA ainda tem muita hype, muita promessa. Sejam criteriosos. Foquem primeiro em automatizar processos, estruturar dados e criar um ambiente seguro – só assim a IA fará sentido e trará valor real.”
O futuro, segundo Pires, será cada vez mais integrado e promissor. “A IA vai crescer na prática clínica, nas cirurgias, na operação hospitalar. Vai nos permitir viver bons tempos – com instituições mais eficientes e, principalmente, com profissionais mais humanos”, projetou.