Nos anos 80 Marco Stefanini fundou aquela que viria a se tornar a multinacional brasileira que figura entre as 100 maiores empresas de tecnologia do mundo. A companhia, que leva o sobrenome do fundador e hoje CEO Global, está presente em 46 países e emprega 35 mil pessoas. É uma das principais brasileiras no jogo da inteligência artificial.
Ao InfoMoney Entrevista, Marco Stefanini classificou 2025 como o ano da adoção massiva da IA e analisou a popularização do ChatGPT como o ponto de virada para a inteligência artificial. Para o executivo, a inovação vai, cada vez mais, impactar nos negócios. Ele compara a revolução da IA ao surgimento da Internet.
Stefanini falou ainda sobre os planos da companhia para os próximos anos, a possibilidade de abrir capital na Bolsa brasileira ou americana e sobre como vê um futuro caminho de sucessão no comando da empresa.
Continua depois da publicidade
Infomoney: A Stefanini trabalha com inteligência artificial há mais de 10 anos, mas nos últimos anos 2, 3 anos aconteceu uma explosão de uso. No final do ano passado passado você falou que 2025 seria o ano da adoção massiva da inteligência artificial. Tem sido assim realmente até agora? De que forma que essa adoção massiva tem impactado os negócios da Stefanini?
Marco Stefanini: Sim. É uma atividade que a gente desenvolve há muitos anos. Nós fizemos uma pequena aquisição há 14 anos atrás, de uma empresa de inteligência artificial quando não era famoso, não era cool, não era moda. Com o ChatGPT em novembro de 2022 houve uma explosão. Não só por causa do ChatGPT, por todos os outros LLMs que apareceram.
Para nós, 2023 foi o ano da experimentação, onde a gente permitiu que a empresa toda pudesse experimentar e entender, avaliar o potencial e começar a adotar. O ano passado foi um ano que nós já fizemos muito, acelerou a implementação de projetos, mas eu sempre diferencio o que é uma implementação de um projeto, mesmo com sucesso, do que é uma adoção massiva. Qual a diferença? É que realmente aquilo lá vai fazer diferença nos negócios do nosso cliente ou nos mesmos dos nossos negócios.
Continua depois da publicidade
Então, esse ano é o ano da adoção massiva, a gente vem trabalhando duro, estamos na metade do ano. O segundo semestre sempre é o período mais forte do ano. Eu diria que a gente tá bem encaminhado, trabalhando todos os obstáculos, os desafios, tanto internos como externos. Estamos avançando bem e procurando cada vez mais estender essa nossa grande experiência com automação no geral, em particular com IA generativa. A perspectiva é positiva.
InfoMoney: Você pode compartilhar alguns dos cases da Stefanini de como o uso da inteligência artificial transformou clientes de vocês?
Stefanini: Temos vários casos, de setores diferentes, de desenvolvimento de sistemas; bancos, com migração de tecnologia; área de infraestrutura; automação industrial; marketing. A gente ganhou um prêmio recente pela Vale, um projeto que nós fizemos para detectar eventual vazamento em mineroduto no meio da Amazônia. Antes demorava de 1 hora até 7 dias, dependendo da inspeção. Hoje você percebe em minutos.
Continua depois da publicidade
Temos casos, por exemplo, na área de cyber security, de prevenção a fraudes. Cibersegurança é uma preocupação constante para executivos, CEOs, empreendedores, todo mundo que lida com negócios.
InfoMoney: Segurança digital também é uma frente importante de negócios para vocês. De que forma que isso tá sendo desenvolvido hoje dentro da Stefanini?
Stefanini: É um setor muito específico, de muita atenção. Todos estão expostos, inclusive a própria Stefanini. Não é um tema de tecnologia, é um tema de negócio, visa proteger o seu negócio. Com IA, os atacantes ficaram mais audaciosos, com melhores ferramentas para ciberataques. Então, a gente também precisa usar IA na questão defensiva.
Continua depois da publicidade
Hoje a gente tem uma solução muito forte que domina o mercado financeiro e que atende e-commerce, telecom e tudo que tenha canal digital. Nossa plataforma já utiliza inteligência artificial há muitos anos, mesmo antes do ChatGPT e obviamente agora com toda essa evolução a gente vem cada vez mais aprimorando essa solução, que é dominante no mercado brasileiro financeiro.
InfoMoney: Essa adoção massiva de inteligência artificial traz alguns problemas, como o uso intenso de energia, comprometendo a questão de sustentabilidade, e a dificuldade de integração de tantas ferramentas. Você vê esses desafios? Enxerga outros?
Stefanini: A IA demanda um consumo de energia, de data center bastante grande. Sempre durante os grandes ciclos de tecnologia você começa numa fase e depois você vai adquirindo eficiência nos próximos anos. E esse ciclo é cada vez mais rápido. A tendência nos LLM é eles serem mais eficientes e usarem menos energia.
O segundo ponto é o uso consciente, usar IA para coisas que realmente agregam o valor ou para a sociedade ou para os negócios e não ficar só alimentando brincadeiras. Há um processo de amadurecimento nessa questão de energia e eficiência juntos.
Sobre integração, do ponto de vista de LLM, por exemplo, nossa plataforma é agnóstica, posso variar de LLM para outros LLMs. A questão de trabalhar com vários LLM não é um um grande obstáculo como era a integração no passado.
O que eu vejo de obstáculo do ponto de vista técnico é integrar as várias peças para fazer a jornada completa. Isso é um diferencial do grupo Stefanini. A gente faz como se fosse um Lego e você vai juntando as peças.
InfoMoney: Qual que é o desafio dos próximos anos para você? A inteligência artificial é o que realmente vai transformar os negócios daqui para frente ou devem surgir outras inovações? O que está no seu radar como especialista da área?
Stefanini: Sim, a IA é muito importante, causa uma transformação muito relevante. O que gerou realmente impacto e mudou o mundo? Pega, por exemplo, a internet. Ela veio para ficar. Eu entendo IA na mesma linha. Vai tem excessos, tem algum alguns hypes, mas veio para ficar. Meu conselho é: entrem a fundo porque é algo que vai mudar e já está mudando o mercado.
InfoMoney: A Stefanini é hoje uma empresa global, mas nasceu aqui no Brasil. Quais foram as vantagens e as desvantagens de começar um negócio que hoje é global em um país como o Brasil?
Stefanini: Como a gente vem de uma região, não só o Brasil, a América Latina, onde você vive com muitas crises, você tem um cenário muito incerto. A gente acabou criando um DNA de resiliência. O lado ruim é que são poucas empresas que sobreviveram a todo esse período. O lado bom é que, como você sobreviveu, você tem uma resiliência acima da média.
Como desvantagem, a gente vem de uma região que não tem tradição de tecnologia. O Brasil é um país de pessoas muito simpáticas, o mundo inteiro gosta de brasileiros como povo, mas do ponto de vista de negócios não tem nada que chame atenção como diferencial. Então a gente tem que construir, a gente sempre se posiciona como uma empresa global de origem brasileira, com esse DNA de resiliência.
InfoMoney: A Stefanini hoje está presente em 46 países e teve um faturamento no ano passado de 1,4 bilhão de dólares. Quantos funcionários vocês têm e quais são as principais operações?
Stefanini: Hoje a gente tem 35 mil funcionários e as principais operações são Brasil e Estados Unidos. Hoje o faturamento dos EUA é na mesma linha que o do Brasil. Europa tem um peso grande. E América Latina de língua espanhola, que, na média, mais cresceu nos últimos 10 anos e tem um potencial muito grande. A gente ainda não tem um foco muito grande em desenvolver a África ou Ásia.
Do ponto de vista de “delivery”, de centros de serviços pra gente ofertar, que também são globais, nos Estados Unidos a gente tem 2.500 funcionários, por exemplo, nas Filipinas a gente tem quase 2.000, na Romênia a gente tem quase 2.000, na Polônia a gente tem mais ou menos uns 600 pessoas, na Moldávia, 500 ou 600. Na maioria dos países da América Latina varia entre 1.000 e 1.500 pessoas. Até na América Central, a gente tem 300 pessoas em El Salvador. Tem um contingente na Índia em torno de 1.400 pessoas e na China em torno de quase 500 pessoas. Então, do ponto de vista de “delivery”, de equipes, ela é bem distribuída.
A gente se posiciona como um nível mais alto de globalização, quando você não só vende para o exterior, mas tem produção no exterior, desenvolvimento de produtos, que é o caso de IA, por exemplo. IA não é só desenvolvido no Brasil.
InfoMoney: Hoje então boa parte do faturamento da Stefanini vem de fora do Brasil, certo?
Stefanini: Isso, é mais ou menos 40% Brasil e 60% fora do Brasil.
InfoMoney: Então a avenida de crescimento principal para a Stefanini estaria fora do Brasil?
Stefanini: Nosso market share no Brasil é muito mais expressivo. O setor de serviço e tecnologia é extremamente fragmentado. Você não tem nenhuma empresa que tenha mais que 5% do mercado mundial. Então, mesmo a gente aqui no Brasil tendo um market share maior, a gente ainda pode crescer muito mais.
Fora do Brasil, na Europa, América do Norte, América Latina hispano-hablante, a gente está numa posição muito interessante, porque já temos estrutura para atender qualquer tipo de empresa, por mais global que ela seja, temos vários clientes globais. Ao mesmo tempo, meu market share não é expressivo, então eu tenho um potencial de crescimento muito maior que eu teria no Brasil.
InfoMoney: Uma das formas de crescimento da Stefanini no mundo foi por meio de fusões e aquisições. Foram mais de 40 aquisições. Vocês ainda tem o plano de continuar fazendo essas aquisições, tem um um valor separado para continuar investindo nesse crescimento inorgânico?
Stefanini: Nossos primeiros ciclos de crescimento foram orgânicos, por investimento próprio. A partir de dezembro de 2010 a gente inicia esse novo ciclo de aquisições. Nós vamos sim continuar crescendo via aquisição. Vai mudando o perfil da aquisição e você vai mudando de acordo com o mercado. Nosso mercado é muito dinâmico. A gente tem que procurar adequar as aquisições em áreas que a gente vê maior potencial dentro daquele novo cenário de tecnologia.
InfoMoney: Quando a Stefanini vai para Bolsa?
Stefanini: Sempre esteve no nosso plano, mas nunca teve uma necessidade muito imediata, porque somos uma empresa que trabalha sem dívida. Então, a gente teve sempre essa resiliência que eu expliquei lá atrás, ela permitiu que a gente crescesse com o capital próprio. Então, não tem uma urgência nisso.
Tivemos dois momentos em que a gente começou um processo de reorganização, de escolher os bancos, advogados e tudo mais. Mas nas duas vezes vieram crises muito fortes e a gente parou. A gente só vai fazer esse processo mediante um cenário favorável. Hoje não sou muito otimista, acho que o mercado tanto no Brasil como fora não está muito propenso. Não vejo nenhuma condição esse ano e acho muito difícil o ano que vem. Seria ainda mais para frente, talvez em 2027, mas a gente nunca sabe. Hoje a perspectiva não é muito animadora.
Quanto a abrir capital fora do Brasil, isso oscila, dependendo da economia, do mercado financeiro. Hoje faria mais sentido fazer fora. O mercado americano tem um potencial muito grande, apesar de ser um pouco mais caro o processo de bolsa e um pouco mais burocrático. Mas, de novo, a gente tem que esperar ver o que vai acontecer daqui um ou dois anos.
InfoMoney: Quais são seus planos dentro da companhia? Você fundou a Stefanini lá na década de 80, é o CEO global da companhia, tá no dia a dia da empresa. Existe um processo de sucessão em vista ou você pretende continuar na Stefanini por muito tempo ainda?
Stefanini: Toda pessoa tem seu ciclo de vida. Eu ainda consegui me manter atualizado numa indústria bastante dinâmica, uma indústria de muito jovem. A gente tem sim planos, vem trabalhando, por unidades de negócio e dá muita autonomia. É um ambiente favorável para construir líderes. Esse processo ele vai ser bastante gradativo.
Muito provavelmente, eu não vá parar de trabalhar nunca, mas você pode contribuir de outras maneiras.
InfoMoney: Vamos nos encontrar pessoalmente no final do mês, no dia 25 de julho na Expert XP e queria saber de você de que forma que um evento como a Expert pode ajudar a construir diálogos na sociedade de temas tão importantes como inteligência artificial e transformação digital nas empresas.
Stefanini: A Expert XP tem um propósito fundamental, que é disseminar a boa informação. Quando a gente tá falando de coisas novas, como IA, sempre há muito mal entendido. Então é super importante essa o oportunidade de informar corretamente os players. O Brasil tem uma característica muito digital, é muito aberto ao digital, tem volume. Eventos como esse podem ajudar as pessoas a terem uma reflexão adequada sobre qual caminho tomar diante das grandes mudanças tecnológicas atuais.
Fonte: Info Money