Em seu novo livro, “Epic Disruptions: 11 Innovations That Shaped Our Modern World” (Grandes Disrupções: 11 Inovações Que Moldaram Nosso Mundo Moderno) (Harvard Business Review Press, 2025), Scott D. Anthony analisa como as inovações disruptivas — incluindo o iPhone, o transistor e as fraldas descartáveis — transformaram indústrias e sociedades. Aqui está um trecho adaptado do capítulo sobre a famosa chef e apresentadora da TV americana Julia Child, falecida em 2014:
Feche os olhos e pense em alguém que lançou uma inovação disruptiva que mudou o mundo. É provável que você tenha imaginado alguém como Jensen Huang, da Nvidia, ou Sam Altman, da OpenAI. Ou, se você é mais inclinado à história, talvez tenha tido uma visão de Henry Ford e seu Modelo T, ou até mesmo voltado ainda mais no tempo, para Johannes Gutenberg e sua prensa tipográfica.
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Todas são escolhas justas, mas os inovadores disruptivos vêm em muitas formas e sabores diferentes. Por exemplo, pegue um livro de receitas qualquer. Abra-o. Observe como ele está disposto. Você provavelmente verá duas colunas, com os ingredientes e equipamentos no lado esquerdo da página e as instruções no direito. É assim que os livros de receitas são dispostos, certo?
Mais ou menos. Os livros de receitas são dispostos dessa forma porque em algum momento específico, alguma pessoa específica pensou que esse layout faria mais sentido. Ela experimentou e descobriu que a ideia se conectava com os leitores. Outros autores a imitaram. E ela se tornou o padrão.
Essa pessoa específica foi Julia Child.
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Ela é apresentada no meu livro “Epic Disruptions”. O que exatamente ela rompeu? Digamos que você vivesse nos subúrbios dos Estados Unidos na década de 1950. O que você faria se quisesse saborear uma ótima comida francesa?
Uma opção seria dirigir até a cidade mais próxima e esperar encontrar um restaurante razoável. Se, no entanto, você quisesse ter certeza de saborear uma ótima comida francesa, teria que comprar uma passagem de avião e voar para a França.
Em 1951, no mesmo ano em que Julia Child foi reprovada em seu exame final no Le Cordon Bleu (ela passou na segunda tentativa), ela conheceu Simone Beck Fischbacher e Louisette Bertholle.
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Fischbacher e Bertholle estavam trabalhando em um livro de receitas francesas para um público americano. Sua editora achou que elas precisavam de alguém com uma voz americana mais autêntica. Child concordou em se juntar ao esforço.
Dez anos depois, o trio lançou “Mastering the Art of French Cooking” (Dominando a Arte da Culinária Francesa). “As receitas são gloriosas, seja para um simples ovo ou para um suflê de peixe”, escreveu Craig Claiborne do “The New York Times”. “À primeira vista, estima-se conservadoramente que existam mil ou mais receitas no livro. Todas são meticulosamente editadas e escritas como se cada uma fosse uma obra-prima, e a maioria delas é.”
O livro tornou simples e acessível para as pessoas cozinhar ótima comida francesa em sua própria cozinha. Isso é inovação disruptiva clássica.
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Os cinco comportamentos disruptivos
Ao longo de sua ilustre carreira, Child demonstrou os comportamentos que servem como ingredientes do sucesso da disrupção.
1. Obsessão pelo cliente
O layout com ingredientes e instruções lado a lado é um excelente exemplo de como Child era obcecada pelo cliente. Ela sempre via o mundo através dos olhos de seus leitores, garantindo que usasse ingredientes que eles pudessem acessar e escrevesse em termos que pudessem entender.
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Ao fazer compras nas lojas onde seus clientes compravam e cozinhar usando os ingredientes deles, ela aprendeu que a vitela dos EUA era menos macia do que a vitela francesa, seus perus eram maiores, e os americanos comiam mais brócolis do que os franceses. Seguir os passos de Child é tão simples quanto passar mais tempo com os clientes, buscando compreendê-los melhor do que eles próprios.
2. Curiosidade
Child era curiosa, a ponto da obsessão. Em 1953, ela estava pesquisando receitas de peixe e encontrou um desafio sutil, mas crítico. Existem 32 mil espécies diferentes de peixes no mundo, e o peixe original da receita pode ser confundido.
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Por exemplo, um livro de receitas francês pode se referir a le carrelet. O inglês britânico traduz isso para plaice (solha). Mas o inglês americano traduz para sand dab, lemon dab ou lemon sole (tipos de linguado e solha).
Traduzir dab em um dicionário Inglês-Francês retornaria carrelet, mas também limande, calimande e plie. A tradução errada poderia levar a resultados abaixo do ideal, impactando o desejo de Child de permitir que as pessoas reproduzissem a culinária francesa refinada em suas cozinhas.
Child recorreu a dicionários e livros de receitas Francês-Inglês, incluindo um com um índice de 26 páginas de peixes franceses e seus equivalentes americanos. Ela também escreveu para especialistas franceses e americanos, incluindo aqueles em departamentos governamentais.
Ela observou em suas memórias que recebeu “montes e montes de informações, tudo o que você queria saber sobre peixes, mas tinha medo de perguntar, quais tinham carne firme, quais eram moles, quais eram de água salgada, quais eram frescos”. No final, “Mastering the Art of French Cooking” tinha um capítulo de 27 páginas dedicado a peixes com outras 20 receitas espalhadas pelo livro.
O caminho para a inovação sempre começa com uma pergunta. Por que é feito dessa forma? Como poderíamos fazer de forma diferente? Grandes inovadores como Child questionam o status quo, procurando maneiras diferentes e melhores de fazer as coisas.
3. Colaboração
Child colaborou amplamente, trabalhando com vários chefs em sua longa carreira. Ela sempre buscou aprender com especialistas em técnicas específicas e trouxe sua própria perspectiva para essas colaborações, gerando ideias inovadoras.
Um dos maiores mitos da inovação é a ideia do inventor solitário. Tal criatura nunca existiu. A inovação requer uma equipe, uma aldeia, uma legião. Grandes inovadores reconhecem uma das descobertas mais persistentes da literatura sobre inovação —a magia acontece nas interseções, onde mindsets e habilidades colidem.
Ir para as interseções pode ser tão simples quanto pegar revistas de diferentes campos ou pedir à IA para assumir uma persona diferente. É uma maneira simples de fazer a magia acontecer.
4. Vontade de experimentar
Child era uma mestra na experimentação. Embora houvesse cerca de 1.000 receitas em “Mastering the Art of French Cooking”, uma ausência notável era o pão francês. O desafio era que a criação da crocância distinta de uma baguette parecia exigir o forno especial de uma boulangerie francesa.
No que ela chamou de “Grande Experimento do Pão Francês”, Child e seu marido Paul testaram mais de 30 abordagens diferentes antes de determinar que deixar cair um tijolo, pedra ou cabeça de machado de metal quente (se por acaso você tivesse um por perto) em uma panela de água fria no fundo do forno criava um sopro de vapor maravilhosamente eficaz.
Child mostra como a chave para a experimentação é lembrar que não há fracasso quando você não sabia e não podia saber a resposta de antemão. Há apenas aprendizado.
5. Persistência
Finalmente, Child persistiu em contratempos e dificuldades. Por exemplo, ela, Beck e Bertholde assinaram um contrato em 1952 com a Houghton Mifflin para produzir o livro. Em 1958, a Houghton Mifflin disse que as 700 páginas que cobriam apenas molhos e aves eram demais e pediram um livro mais simples e conciso.
Child e coautoras reescreveram o livro. Dezoito meses depois, apesar de chamar o livro de “arte culinária”, o editor-chefe da Houghton Mifflin, Paul Brooks, disse que ainda era muito denso e complicado, e se recusou a publicá-lo. Felizmente, a amiga de Child, Avis DeVoto, conectou as autoras a Judy Jones na Alfred Knopf e, dois anos depois, o livro foi lançado e foi um sucesso estrondoso.
Child demonstrou o que Carol Dweck, de Stanford, chama de mentalidade de crescimento. Ela via os contratempos nem como permanentes nem como coisas que revelavam limitações pessoais. Em vez disso, ela os via como degraus no caminho para o sucesso.
“Mastering the Art of French Cooking” foi apenas o começo para Child. Ela escreveu uma dúzia de outros livros de receitas e se tornou uma estrela de televisão com o seu programa, The French Chef. Em tudo isso, ela procurou tornar a boa culinária acessível a uma população mais ampla.
“Ninguém nasce um grande cozinheiro”, ela escreveu em suas memórias. “Aprende-se fazendo. Este é o meu conselho invariável para as pessoas: Aprenda a cozinhar — experimente novas receitas, aprenda com seus erros e, acima de tudo, divirta-se!”
Os comportamentos seguidos por Child não são particularmente difíceis. Curiosidade, experimentação por tentativa e erro e vontade de perseverar mesmo no fracasso são comuns entre as crianças. Tudo se resume a ter a mentalidade certa.
O lendário inovador disruptivo Steve Jobs colocou bem quando disse: “Tudo ao seu redor que você chama de ‘vida’ foi feito por pessoas que não eram mais inteligentes do que você. E você pode mudá-lo, você pode influenciá-lo, você pode construir suas próprias coisas que outras pessoas podem usar. Depois que você aprende isso, você nunca mais será o mesmo.”
Em sua essência, grandes inovadores disruptivos são como eu e você.
O musical Back to the Future tinha uma música cativante intitulada “For the Dreamers” (Para os Sonhadores), que “nunca param de acreditar / um grão de areia se torna uma pérola / uma grande ideia pode mudar o mundo / eles podem ver o que os outros não veem / tentam coisas que outros não tentariam”.
Experimente um pouco de sonho disruptivo. Faça perguntas. Olhe o mundo através dos olhos de seus potenciais clientes. Execute um experimento. Tente novamente se não funcionar. Parece tão modesto, mas esses são os ingredientes que mudam o mundo.
c.2025 Harvard Business Review. Distribuído pela New York Times Licensing.
Fonte: Info Money