A morte da cantora Preta Gil, aos 50 anos, após dois anos e meio de enfrentamento contra o câncer colorretal, traz luz a questões fundamentais para o setor da saúde.
Os avanços tecnológicos no diagnóstico e tratamento do câncer, os desafios na incorporação dessas inovações à prática clínica e os impactos crescentes nos custos assistenciais.
Nos últimos anos, a oncologia tem vivido uma transformação profunda, impulsionada por terapias personalizadas, exames genéticos de alta complexidade e cirurgias de alta precisão.
De um lado, essas inovações ampliam as chances de controle da doença e reduzem efeitos adversos. De outro, impõem um dilema à gestão da saúde: como garantir sustentabilidade financeira diante de terapias cada vez mais caras?
Avanços no diagnóstico e tratamento
“O diagnóstico precoce segue sendo a estratégia mais custo-efetiva, mas, mesmo nos casos avançados, temos incorporado recursos como o sequenciamento genético e terapias-alvo, que mudam o prognóstico dos pacientes”, explica Luiza Dib, oncologista clínica do Hospital Sírio-Libanês Brasília.
Exames como o NGS (sequenciamento de nova geração), de acordo com Luiza, permitem identificar mutações com impacto direto na escolha do tratamento, personalizando a abordagem terapêutica.
A medicina de precisão representa uma guinada na lógica da oncologia. Segundo Tomás Mansur, cirurgião do Centro de Referência de Tumores Colorretais do A.C.Camargo Cancer Center, terapias celulares como o CAR-T já vêm mostrando respostas expressivas.
“São tratamentos que utilizam as próprias células do paciente, modificadas em laboratório, para destruir o câncer. O custo é elevado, mas os resultados podem ser transformadores”, aponta.
No caso do câncer colorretal, a imunoterapia já começa a mostrar resultados promissores.
“Um estudo publicado na New England Journal of Medicine mostrou 100% de resposta em um grupo específico de pacientes. Os resultados chamam muita atenção pelo potencial transformador, embora seja um estudo pequeno”, afirma Mansur.
O desafio dos custos e de ampliar o acesso
Esses avanços, no entanto, têm impacto direto nos custos assistenciais. “Testes moleculares e novas terapias são muito mais caros do que os tratamentos convencionais. Mas, quando analisamos o custo-efetividade, vemos que podem reduzir internações, complicações e até aumentar a sobrevida dos pacientes”, explica Luiza.
“Quanto mais avançado o tratamento, maior é o custo agregado a ele. Tecnologias de ponta carregam consigo todo o investimento em pesquisa, desenvolvimento e implementação, o que naturalmente eleva o valor final”, complementa Mansur.
O desafio está em ampliar o acesso de forma sustentável. Para isso, instituições como o Hospital Sírio-Libanês apostam na participação em ensaios clínicos e no diálogo com operadoras e indústria para modelos de remuneração baseados em valor.
“A ideia é oferecer o melhor tratamento possível com equilíbrio entre qualidade e custo, alinhando os interesses de todos os agentes do sistema”, ressalta a oncologista.
O futuro do tratamento oncológico
Outras tecnologias também ganham espaço, como a cirurgia robótica. Um estudo recente com mais de mil pacientes demonstrou melhores desfechos oncológicos em cirurgias de reto com o uso de robôs, mostrando que inovação também pode significar mais segurança e eficácia.
A adoção de novas tecnologias, no entanto, exige critérios claros. “É essencial que qualquer inovação traga benefícios comprovados frente ao tratamento padrão. Só assim podemos justificar os investimentos”, destaca o cirurgião.
Caso Preta Gil, a complexidade do cuidado oncológico
O caso clínico da cantora, marcado por diferentes abordagens terapêuticas, ilustra tanto os progressos quanto os desafios ainda enfrentados no cuidado oncológico.
Diagnosticada com câncer intestinal em janeiro de 2023, a Preta passou por um protocolo terapêutico que incluiu cirurgia para remoção do tumor primário e do útero, complementado por sessões de quimioterapia e radioterapia.
Em dezembro de 2023, houve anúncio de conclusão do tratamento inicial, porém exames de rotina detectaram a recidiva da doença em 2024. A paciente foi submetida a procedimento cirúrgico no Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, quando recebeu uma bolsa de colostomia definitiva.
Durante os três meses que antecederam seu falecimento, a cantora participou de um protocolo experimental nos Estados Unidos. Neste período, foi acompanhada por especialistas do Virginia Cancer Institute, em Washington, e do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York.
Na fase avançada da doença, o tratamento buscava combater quatro focos tumorais: dois nos linfonodos, um no peritônio (com metástase) e outro no ureter.
A jornada de Preta e de muitos pacientes que enfrentam o câncer reflete, de forma dolorosa, os limites e as promessas da medicina oncológica atual — e reforça a urgência de ampliar o debate sobre acesso, inovação e sustentabilidade.