Brasil vira potência em energia limpa, mas indústria é vítima de seu próprio sucesso

Em poucos meses, o Brasil sediará a maior cúpula do clima do mundo, a COP30. Mas, enquanto o país se prepara para receber milhares de autoridades para debater planos de combate ao aquecimento global, seus próprios setores eólico e solar estão em dificuldades.

As perdas estão se acumulando. A 2W Ecobank SA, produtora de energia eólica, entrou com pedido de recuperação judicial em abril. A Rio Alto Energias Renováveis , que constrói e opera projetos de energia solar, entrou na Justiça para pedir proteção temporária contra credores enquanto tenta reestruturar sua dívida. A Aeris, maior produtora de pás para parques eólicos do Brasil, reestruturou sua dívida após mais de 3.700 cortes de empregos.

Problemas da energia verde

As empresas brasileiras de energia eólica e solar enfrentam desafios que refletem a situação dos projetos de energia limpa em todo o mundo: atrasos na concessão de licenças, escassez de linhas de transmissão, dificuldades na cadeia de suprimentos e altos custos de financiamento.

Os contratempos são tão graves que colocam em risco a meta mundial de energia verde: triplicar a capacidade de energia renovável até 2030.

Em contraste com os EUA, onde as políticas antirrenováveis ​​do presidente Donald Trump prejudicaram o setor, o Brasil continua sendo um firme defensor da energia verde.

Grande produtor de energia hidrelétrica, o país possui, por ampla margem, a matriz energética mais limpa entre todos os países do G-20. Também conquistou o terceiro lugar global em nova capacidade eólica e solar no ano passado.

Mas o setor de energias renováveis ​​do Brasil tem sido, em parte, vítima de seu próprio sucesso. O aumento da produção com novas fontes eólica e solar criou um excesso de energia durante o dia e não há linhas de transmissão suficientes para absorver toda a eletricidade, forçando as operadoras de rede a limitar a produção desses projetos. As emissões relacionadas à energia do país ainda precisam cair drasticamente para atingir zero líquido até 2050, de acordo com a BloombergNEF — uma meta que pode ser ainda mais ameaçada pelos problemas do setor de energias renováveis.

“Estamos vivendo o pior momento para o setor de energia do Brasil”, disse Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica, associação nacional que representa parques eólicos. “É a primeira vez que vejo uma crise desta magnitude e duração. Isso não é algo que se resolverá amanhã”, disse ela em uma entrevista.

A Rio Alto Energias não quis comentar, enquanto o 2W Ecobank não respondeu aos pedidos de comentário. A Aeris afirmou que a empresa renegociou 90% de sua dívida e ainda está em negociações para reestruturar seus empréstimos restantes, “abrindo caminho para uma melhora sustentada em sua situação financeira”.

O problema é tão generalizado que a Abeeólica e a Absolar, associação da indústria solar do Brasil, foram solicitadas a conversar com bancos e investidores para ajudar a estender os vencimentos de suas dívidas, de modo que as empresas que enfrentam reduções de receita de até 60% possam sobreviver à crise de curto prazo.

“Os empréstimos e títulos serão pagos, mas as pessoas precisam entender que o setor está passando por uma situação excepcional”, disse Rodrigo Sauaia, CEO da Absolar, em entrevista. “É do interesse dos investidores e bancos superar essa tempestade junto com o setor.”

Credores

O BTG Pactual e o Santander estão entre os credores de algumas das empresas brasileiras de energia eólica e solar em dificuldades, juntamente com credores estatais como o BNDES e o Banco do Nordeste do Brasil SA.

Investidores, incluindo a JGP Gestão de Crédito, também foram afetados. O BNDES e a JGP não quiseram comentar, enquanto o BTG e o Santander Brasil não responderam aos pedidos de comentário.

“Recebemos algumas demandas específicas para negociar devido aos cortes de produção e conseguimos avançar sem problemas, estresse ou falta de pagamento”, disse Luiz Abel, diretor de negócios do Banco do Nordeste do Brasil, em entrevista. Embora “os prejuízos estejam se acumulando para as empresas”, a carteira de empréstimos do BNB é saudável e conta com garantias sólidas, disse ele. Ele confirmou que conversou com as associações do setor, mas disse que é melhor analisar a situação caso a caso.

As altas taxas de juros têm sido um desafio, com o Banco Central do Brasil elevando a taxa básica para 15% na semana passada, o maior nível desde 2006. No entanto, parte dos empréstimos para o setor de energia solar e eólica é subsidiada.

Para os fornecedores de peças para energia eólica, a menor produção e o fechamento de fábricas levaram a 11.000 cortes de empregos entre 2024 e 2025, de acordo com uma pesquisa da Abeeolica.

“A crise é muito profunda no setor de energia eólica, pois 80% da cadeia de suprimentos está localizada no Brasil”, disse Gannoum.

Desenvolvedores de projetos eólicos e solares enfrentam restrições de transmissão em todo o mundo, incluindo os EUA e a Europa. No Brasil, o problema é particularmente grave, já que a maior parte da energia é produzida no Nordeste e consumida no Sudeste.

A operadora de rede elétrica do país começou a cortar a produção de energia eólica e solar em 2020 devido à queda na demanda durante a pandemia. Mas, depois que as flutuações na energia eólica e solar desempenharam um papel significativo em um apagão que afetou grande parte do país em 2023, a operadora reforçou os limites de produção.

Em fevereiro, as restrições se tornaram ainda mais rigorosas após o colapso de uma linha de transmissão, informaram a Fitch Ratings e a Absolar.

Até 2029, os cortes de energia eólica e solar devem aumentar quando a geração exceder a demanda, especialmente durante o dia, afirmou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em um relatório no início deste mês.

Mudança na lei

De acordo com uma lei de 2004, as empresas de energia eólica e solar eram integralmente ressarcidas pelos consumidores, por meio das contas de energia, pelas perdas decorrentes dos limites de produção. Mas uma regra da Aneel, em 2023, determina que essas empresas agora podem recuperar, no máximo, apenas 3% de suas perdas, enquanto as termelétricas continuam recebendo o valor integral, de acordo com a Absolar.

A Absolar e a Abeeólica estão processando a Aneel por ressarcimento de perdas de R$ 4,8 bilhões (US$ 873 milhões) já incorridas pelas empresas associadas em decorrência das limitações de produção. A Aneel não respondeu a um pedido de comentário. O Ministério de Minas e Energia, que criou uma comissão com representantes da indústria para tratar da situação do corte de energia, também não se pronunciou.

A Renova Energia, operadora de energia eólica e solar, saiu recentemente da recuperação judicial. A empresa obteve progressos significativos no ano passado, “mesmo diante dos desafios atuais do setor elétrico brasileiro”, e realizará investimentos para expandir sua capacidade instalada, segundo comunicado.

“Enquanto não tivermos um grande número de linhas de transmissão para transportar essa energia, continuaremos a ver muitas restrições”, disse Thaina Cavalini, diretora associada de infraestrutura e financiamento de projetos da Fitch.

Gannoum discorda. Para ela, o principal problema são as pequenas geradoras de energia solar que estão usando subsídios do governo para produzir energia não apenas para consumo próprio, mas principalmente para lucro, gerando muita eletricidade durante o dia. Esse tipo de geração não é afetado por restrições regulatórias, que se aplicam apenas a grandes produtores, e já representa mais de 15% da capacidade total instalada, afirmou.

“Embora o governo planeje comprar baterias para ajudar a rede a armazenar mais energia, esses leilões foram adiados para o segundo semestre”, disse Cavalini. Muitas empresas não têm condições de investir em baterias porque os impostos podem chegar a 85%, de acordo com a Absolar.

Notas rebaixadas

A Fitch atribuiu perspectiva negativa a três empresas brasileiras de energia renovável devido aos cortes na produção: Serra do Mel Holding, Itarema Geração de Energia e Complexo Morrinhos Energias Renováveis ​, uma empresa com classificação AAA controlada pela chinesa CGN Brasil Energia S.A. A CGN Brasil não quis comentar, enquanto a Serra do Mel e a Itarema Geração não responderam a um pedido de comentário.

“O Nordeste brasileiro deve construir data centers e buscar projetos de hidrogênio verde para absorver o excedente de energia”, disse Eduardo Sattamini, chefe das operações da Engie no Brasil. O país atraiu bilhões em investimentos para projetos de linhas de transmissão de energia para conectar energias renováveis ​​aos seus maiores mercados consumidores, mas esses projetos podem levar quase uma década para entrar em operação.

Algumas empresas brasileiras de energia renovável estão tentando atrair parceiros ou vender seus negócios. A Equatorial Energia, distribuidora de energia, contratou o Banco Safra para tentar vender a geradora de energia eólica e solar Echoenergia Participações, empresa que comprou por R$ 7 bilhões em 2022, disseram pessoas familiarizadas com o assunto à Bloomberg News. A Equatorial Energia não respondeu aos pedidos de comentário.

Outras empresas estão simplesmente encerrando suas operações. A GE Vernova, com sede em Massachusetts, anunciou em fevereiro que fecharia a fábrica de pás eólicas da LM Wind Power na cidade brasileira de Suape, cortando 1.000 empregos, devido à queda da demanda no mercado latino-americano.

Por enquanto, a perspectiva de uma recuperação no setor de energia limpa do Brasil permanece distante, disse Sauaia, da Absolar. “O paciente está na UTI”, disse ele. “Antes que qualquer tipo de recuperação possa acontecer, o setor precisa primeiro parar de respirar por máquinas”.

Fonte: Invest News

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