No setor de food service, a qualidade do atendimento deixou de ser um diferencial para se tornar fator decisivo na sustentabilidade do negócio. Mais do que o cardápio ou a ambientação, a forma como o cliente é recebido e acompanhado durante a experiência influencia diretamente na fidelização e no resultado financeiro das operações.
Para aprofundar esse tema, nós da Rede Food Service ouvimos Carolina Oda, uma especialista em bebidas e hospitalidade com mais de 19 anos de carreira, sendo Cofundadora da consultoria A/C – Aos Cuidados, que se dedica a transformar negócios por meio da valorização das pessoas.
E, juntos, te convidamos a descobrir porque um atendimento eficaz não depende apenas de cordialidade, podendo valer, inclusive, mais do que um cardápio impecável. Afinal, o serviço envolve a capacidade de antecipar demandas, compreender o perfil de cada público e alinhar a experiência do salão ao conceito do negócio. Porém, isso exige planejamento, treinamento, envolvimento de líderes e, claro, metodologia. É um jogo que só se joga e ganha em equipe.
FATOR DECISIVO NA FIDELIZAÇÃO
Não basta ter uma boa comida e ambientes instagramáveis. O atendimento é um dos fatores que mais influencia a fidelização do cliente. A forma como ele é recebido, acompanhado e percebido durante toda a experiência determina não apenas o desejo de retorno, mas também a forma como o estabelecimento é avaliado e recomendado.
Carolina Oda, que é especialista em transformar a experiência do cliente em um diferencial competitivo para bares e restaurantes, reforça que contar com profissionais bem treinados, capazes de identificar necessidades, antecipar demandas e criar uma experiência coerente com o conceito do negócio torna-se decisivo para manter clientes fiéis. “Uma das máximas que a gente mais usa diz o seguinte: um atendimento ruim não segura uma comida muito boa, mas um atendimento muito bom segura uma comida mais ou menos. Na hospitalidade, o produto é apenas um dos fatores que formam a experiência do cliente”, afirma.
Para essa afirmação, Carolina Oda usa como referência Ferran Adrià, Chef espanhol considerado referência mundial em gastronomia e restauração moderna, que é adepto da ideia de que a comida não é a primeira razão para alguém ir a um restaurante. “Em entrevistas, ele fala que comida é o quarto motivo. E, no Brasil, eu até colocaria como quinto, porque aqui temos ainda a questão do status, que também influencia nas idas aos restaurantes”.
Segundo Carolina Oda, a dificuldade em valorizar e reconhecer o atendimento como parte central da experiência do cliente está no fato dele lidar com aspectos intangíveis. “Não estamos falando de um produto, mas, ao mesmo tempo, é algo que gera sensações. E uma sensação ruim causa muito mais rupturas com marcas do que uma comida que apenas não estava tão incrível”, enfatiza.
ENTRE O CORRETO E O MEMORÁVEL
Na hospitalidade, a linha que separa um atendimento correto de um memorável está na qualidade da experiência individual que o cliente leva consigo, incluindo nisso as sensações, sentimentos e memórias. Vai para além do prato.
Nesse sentido, Carolina Oda comenta que “o atendimento memorável é completamente subjetivo. Ele só é memorável para aquela pessoa. Então, o que torna isso possível é a leitura de cliente de quem está atendendo. Quando eu consigo ler um cliente, entender a ocasião de consumo, o humor dele naquele dia e me encaixar nisso, é muito mais fácil executar um atendimento memorável. É mais sobre isso do que ser apenas correto no sentido técnico”.
FALHAS NO ATENDIMENTO
De acordo com Carolina Oda, há duas formas de elencar os principais erros cometidos pelas equipes no atendimento ao cliente em negócios food service, uma vez que é possível analisar a situação com um olhar mais técnico ou partindo da visão do cliente. “Quando se trata de falhas internas, normalmente, são problemas mais relacionados à liderança. Nas consultorias da A/C – Aos Cuidados, comparamos muito um atendimento com um jogo de futebol: muitas vezes, o problema é o técnico e não a equipe”, alerta a Consultora.
Ainda sob uma perspectiva técnica, Carolina Oda observa que um dos maiores erros cometidos na hospitalidade, mesmo em restaurantes, bares e afins de alto padrão, é não reconhecer que o atendimento deve seguir uma metodologia. “Para não comprometer a experiência do cliente, é preciso entender que, do mesmo jeito que uma receita culinária segue uma técnica e processos claros, o atendimento também precisa ser encarado com metodologia e profissionalismo.”

Já quando se coloca na posição do freguês, um erro importante que Carolina Oda destaca é a indiferença do serviço frente à uma frustração do cliente. “Inclusive, recentemente, aconteceu comigo. Fui a um lugar, dei duas garfadas e achei o prato incomível. Não comi. E não me perguntaram ou falaram nada. Não houve nenhuma reação. Então, eu acredito que essa indiferença seja absorvida como um atendimento ruim pelo consumidor.”
Porém, ela ainda faz uma ressalva: “claro que, hoje em dia, tudo é muito questionável. A Internet está cheia de memes retratando reclamações infundadas, mas ainda assim é preciso estar atento às frustrações do público,” orienta.
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REPUTAÇÃO DIGITAL
O comportamento do consumidor moderno também tem reforçado essa cultura do bom atendimento. Com acesso às plataformas de avaliação online e redes sociais, experiências positivas ou negativas são rapidamente compartilhadas, o que impacta a reputação de um estabelecimento, muitas vezes, em larga escala.

Como explica a especialista consultada, nem tudo está sob controle: “em tempos de redes sociais, o cliente conta a história que quiser, e, às vezes, ela é totalmente infundada. Já lidamos com casos que exigiram gestão de crise por problemas que não aconteceram exatamente como relatados. Hoje, com o celular na mão, todo mundo é dono da própria narrativa”, aponta Carolina Oda.
Por isso, o bom atendimento não é apenas uma prática de cortesia. É uma estratégia de proteção, capaz de minimizar conflitos e gerar experiências positivas que clientes vão querer compartilhar. Embora não seja possível controlar todas as percepções, investir em consistência ajuda o estabelecimento a construir uma imagem sólida e confiável diante do público digital.
EVITE PREJUÍZOS
Um atendimento inadequado não afeta apenas a experiência do cliente, ele também compromete a saúde financeira dos bares e restaurantes. Como explica Carolina Oda, todo o dinheiro que entra em um estabelecimento passa pelas mãos da equipe do salão, que domina a experiência do freguês e influencia diretamente quanto ele vai gastar. “Um atendimento ruim sempre vai prejudicar um negócio. Se o serviço não está bom, prejudica, se não está treinado, prejudica… Isso é um fato”, reforça.
Carolina Oda ressalta ainda que um bom atendimento não se limita a deixar o cliente feliz: ele está diretamente ligado ao aumento do tíquete médio de consumo. “A hospitalidade está sob o guarda-chuva do marketing, é o método de faturar mais. Esse é o grande objetivo. Não se trata apenas de fazer as pessoas felizes, mas de garantir que o negócio sobreviva. Quanto melhor o atendimento, maior a probabilidade do cliente gastar mais.”
Dessa forma, investir em treinamento de equipes, cultura de hospitalidade e processos de atendimento estruturados torna-se, portanto, não apenas uma forma de garantir satisfação, mas também uma estratégia de eficiência operacional e crescimento sustentável.
PERFIL PARA ATENDIMENTO É ESSENCIAL?
Na visão de Carolina Oda, treinamento é essencial, mas não resolve todos os desafios ligados ao atendimento. “Há casos em que a casa tem tudo: manuais, apostilas, liderança presente e treinamentos constantes, e ainda assim a equipe não executa”, relata. Para ela, isso evidencia que não se trata apenas da parte técnica.
Inclusive, Carolina Oda lembra que o Restaurateur Danny Meyer, uma referência internacional da hospitalidade, defende que qualquer pessoa pode aprender a abrir uma garrafa de vinho, carregar uma bandeja ou decorar um cardápio, mas não dá para ensinar alguém a se importar genuinamente com o bem-estar do outro. Para ele, hospitalidade não se ensina, se contrata.
Ou seja, a chave estaria em escolher as pessoas certas desde o início. No entanto, Carolina Oda pondera que essa ideia pode ser utópica: “É uma ilusão acreditar que vou compor uma equipe inteira formada por pessoas naturalmente boas em se relacionar, em atender… Por isso, existem diferentes posições dentro do salão. Cada profissional tem um ponto forte, vai ser bom em alguma coisa e contribuir para o setor, quando bem alocado.”
TEMPO DE TREINAMENTO X RESULTADOS
Ainda conforme Carolina Oda, não existe uma regra única sobre quanto tempo leva para que um treinamento em hospitalidade gere efeito no atendimento. “Já tivemos clientes em que um ‘intensivão’ de uma semana trouxe resultados muito eficazes. Depende muito do perfil da equipe e da abertura para absorver o conteúdo”, explica.
No entanto, ela ressalta que, quando o time compreende que existe uma técnica e uma estratégia de gestão de salão, a mudança pode ser quase imediata. “Se colocar em prática algumas técnicas básicas, o resultado aparece na hora.”
PAPEL DO GESTOR
Sabia que a liderança é quem dá o tom da hospitalidade?
Para Carolina Oda, a participação do dono ou do gestor é determinante na qualidade do atendimento. Ela defende, inclusive, que a hospitalidade externa sempre é um reflexo da interna. Ou seja, o bom atendimento não nasce no salão. “Não adianta sonhar com um atendimento gentil se, dentro da equipe, ninguém se trata com gentileza. O cliente só recebe aquilo que já circula internamente na cultura do negócio.”
Segundo a especialista, esse processo começa na forma como o líder conduz a equipe, projeta valores e estabelece o clima organizacional. Se não houver consistência nesse ponto, dificilmente, o atendimento chegará ao cliente de forma genuína. “É muito difícil mudar a hospitalidade de um lugar sem o envolvimento da liderança, porque o contato com o cliente é o último elo da cadeia. Tudo começa antes, na cultura que o gestor implanta. O dono imprime o que chega no cliente”, completa.
A VISÃO DO DONO
Para Natanael Bertholo Paes, proprietário do Bar da Adelaide, localizado na Vila Leopoldina, em São Paulo, capital, o atendimento é o coração do negócio. “Um bar ou restaurante é feito por pessoas, nossa tecnologia é gente. Por isso, ter um bom atendimento é primordial e é por meio dele que o nosso posicionamento se manifesta para o cliente. Quem atende é a ‘cara’ do lugar”, comenta.

Segundo Paes, o negócio pode e deve ter uma boa comida, boa bebida, bom ambiente, preço certo, mas é no atendimento, no contato humano, que a hospitalidade realmente se manifesta. “Com a atitude certa, planejada, o cliente sai com uma experiência memorável e quer retornar o mais rápido possível, além de contar para outras pessoas o que vivenciou.”

O empresário explica ainda que buscou a consultoria de Carolina Oda porque acredita que a única maneira de preservar o DNA do negócio é contratando, retendo e treinando muito bem as pessoas que trabalham no estabelecimento. “Todo mundo que interage com o cliente tem que saber qual é o nosso ‘jeito’ de atender. Cada profissional coloca o seu ‘molho’, mas tem uma sequência planejada que deve ser seguida. Depois dos treinamentos, vai se criando uma cultura e um diferencial difícil de copiar, porque cada casa precisa desenvolver o seu. Além disso, o profissional se sente parte da equipe e fica mais motivado a entregar um atendimento bem feito, com técnica, cultura e identidade”, garante.
DICAS
Por fim, Carolina Oda reforça que o comparativo do atendimento com um time de futebol é algo que a A/C – Aos Cuidados usa bastante. “Desse modo, minha primeira dica para os gestores é assumir que é preciso ter técnica no atendimento. Em alguns negócios, por exemplo, durante a consultoria, quando perguntamos quem já foi líder de salão, a resposta é que ninguém foi. Isso é um erro. É preciso reconhecer que existe uma metodologia específica sobre isso, assim como há técnicas de confeitaria, de cozinha, de coquetelaria… Temos que reconhecer que, no salão, não basta soltar as pessoas para tirar pedidos e fazer a entrega dos pratos na mesa. Para mim, essa é a principal dica capaz de promover a grande virada que precisamos nesse mercado”, aconselha.
Quer mais dicas sobre o assunto? A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), em parceria com o SEBRAE, possui uma cartilha com orientações práticas para um bom atendimento aos clientes. As principais recomendações, resumidamente, passam por:
- recepção e acolhimento (cumprimentar, acompanhar até a mesa, oferecer cardápio, explicar brevemente a dinâmica da casa…)
- apresentação e postura (uniforme limpo, boa postura, cordialidade, ser discreto, disponível, não falar de forma apressada, evitar gestos bruscos…)
- conhecimento do cardápio (conhecer ingredientes, modos de preparo, possíveis substituições, saber harmonizar bebidas e sugerir acompanhamentos…)
- técnicas de serviço à mesa
- comunicação com o cliente (linguagem clara, escuta ativa, frases positivas…)
- timing do atendimento (não deixar o cliente esperando para ser atendido, observar sinais sutis como prato finalizado e cardápio fechado, sincronizar a entrega dos pratos para todos na mesa…)
- upselling e cross selling sutis (sugerir sem ser insistente, oferecer bebidas de acordo com o pedido do cliente…)
- resolução de problemas (ouvir reclamações sem interromper, pedir desculpas, oferecer solução, transformar uma situação negativa em oportunidade de fidelização…)
- despedida (agradecer a visita, comunicar futuros eventos ou programas de fidelidade de forma natural, desejar boa noite/dia…)
Há ainda uma dica extra. De acordo com as informações disponíveis na cartilha, os principais diferenciais que marcam e transformam a experiência do cliente são a personalização, a atenção sem invasão e a consistência no atendimento, seja em dias de salão cheio ou vazio. Tomou nota?
GASTRONOMIA COM PROPÓSITO | Chef Deumas Oliveira no Rede Food Cast

Fonte: Rede Food Service