Advogados criticam tentativa do STF de conciliação sobre IOF

Judicialização do impasse entre Poderes extrapola funções da Corte e expõe incapacidade de negociação, dizem especialistas

A decisão da 6ª feira (4.jul.2025) do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes de suspender decretos do Executivo e do Congresso Nacional sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e de marcar uma audiência de conciliação entre os Poderes foi alvo de críticas de advogados ouvidos pelo Poder360.

Segundo eles, a iniciativa extrapola as funções da Corte e evidencia a incapacidade política do Executivo e do Legislativo em resolver seus próprios impasses.

Para o advogado André Marsiglia, a conciliação proposta pelo Supremo é “completamente estranha” à função do tribunal, que julga teses abstratas e não conflitos concretos entre partes.

“Nesse caso, não há interesse de pessoas. Uma conciliação é completamente estranha à função do próprio STF, porque não há uma pessoa concreta que possa falar em nome daquela tese a ser conciliada”, declarou.

Segundo o advogado, a conciliação é incorreta, porque as leis que tratam das ações ajuizadas –uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e outra Ação de Declaração de Constitucionalidade–, não estabelecem tal possibilidade.

A conciliação no STF é regulamentada pela resolução 697 de 2020, da própria Corte. A norma cria o CMC (Centro de Mediação e Conciliação), responsável pela busca e implementação de soluções consensuais no Supremo.

Estabelece que a conciliação pode se dar em qualquer fase processual e é de competência da presidência ou critério do relator. Os interessados podem solicitar a atuação do CMC em casos que poderiam “deflagrar conflitos de competência originária do STF, de modo a viabilizar a solução pacífica da controvérsia antes da judicialização”.

Foi o caso de organizações representativas da indústria, que solicitaram ao Supremo para participar do julgamento das ações sobre a elevação do IOF. Também pediram que o relator, ministro Alexandre de Moraes, avaliasse criar uma mesa de conciliação para resolver a questão.

O ministro reúne 3 ações sob sua responsabilidade. Uma é a ADC da AGU (Advocacia Geral da União), que defende a legalidade do decreto do governo. As outras duas são ADIs: uma movida pelo PL (Partido Liberal), contra o aumento do imposto, e outra apresentada pelo Psol (Partido Socialismo e Liberdade), contra a derrubada da medida pelo Congresso.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, no entanto, a judicialização do tema revela uma disfunção institucional. Segundo ela, o Legislativo deveria ter resolvido o impasse internamente, sem recorrer ao Supremo. “Estamos diante de uma disfuncionalidade do Legislativo, que não está conseguindo discutir e resolver seus próprios conflitos políticos”, afirmou.

Para Chemim, a decisão do Congresso deveria ser predominante, uma vez que representa a vontade popular.

“A democracia tem limitações, como qualquer outro regime. Bem ou mal, predomina a vontade da maioria. Este é o princípio democrático. Se a maioria do Congresso decidir sobre um tema, eles são representantes políticos da vontade popular, não há, a princípio, o que se questionar”, declarou.

Para Chemim, o Executivo também errou ao judicializar a questão, tensionando ainda mais a relação com o Congresso. “O governo deveria ter buscado um diálogo institucional antes de acionar o STF, para tentar uma decisão mais ou menos satisfatória para ambos os Poderes”, disse.

Na opinião de Marsiglia, o STF assume um papel político e não jurídico. “Me parece claro que isso não favorece o Congresso. O STF tem tido recorrentemente o papel de conferir governabilidade ao Executivo”, declarou.

Na 4ª feira (2.jul.2025), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou em entrevista ao Jornal da Manhã na Bahia, que “não governa mais o país” se não entrar na Justiça.

CONSTITUCIONALIDADE

Em postagem no X, Marsiglia classificou a decisão de Moraes como “uma aberração jurídica”. Segundo ele, ao reconhecer que o decreto do Executivo tinha finalidade arrecadatória, o STF deveria ter suspendido imediatamente esse ato e encerrado a análise.

“Ao entender que o decreto executivo não é constitucional, sua obrigação seria suspendê-lo e julgar prejudicada a análise sobre as demais questões”, escreveu.

Na decisão, Moraes disse haver “séria e fundada dúvida” sobre se o decreto presidencial que elevou o IOF buscava finalidade extrafiscal (que justificaria a alteração de alíquotas por decreto) ou se era eminentemente arrecadatória, o que seria inconstitucional.

Por isso, deferiu medida cautelar para suspender preventivamente os efeitos dos decretos do Executivo e também do Legislativo, até o esclarecimento, com a audiência de conciliação marcada para 15 de julho.

IMPASSE DO IOF

A alta do IOF fazia parte da estratégia do Ministério da Fazenda para elevar a arrecadação e cumprir metas do novo arcabouço fiscal. A estimativa da Receita era de impacto positivo de R$ 12 bilhões em 2025.

O Congresso, no entanto, derrubou o decreto em votações simbólica no Senado e expressiva na Câmara –foram 383 votos a favor da revogação e 98 contrários. A medida foi considerada a maior derrota do governo na Câmara neste mandato.

Eis a cronologia do caso IOF:

  • mai – durante a tarde, equipe econômica aumenta IOF via decreto para fortalecer a arrecadação, com impacto estimado de R$ 20,1 bilhões em 2025;
  • mai – perto da madrugada, o Ministério da Fazenda revê parte do decreto, reduzindo a potencial arrecadação para R$ 19,1 bilhões;
  • mai – depois de uma reunião, o Congresso dá 10 dias para Haddad apresentar alternativas ao decreto do IOF;
  • jun – Haddad anuncia redução da alta do IOF e envio de uma medida provisória com aumento de outros impostos para compensar;
  • jun – Haddad lança medida provisória com aumento de outros impostos e com mudanças em compensação tributária, com potencial de arrecadação de R$ 10 bilhões em 2025;
  • jun – Câmara aprova urgência para votação do projeto para derrubar a alta do IOF;
  • jun – de surpresa, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anuncia votação do projeto às 23h35 em uma rede social;
  • jun – Câmara aprova queda do decreto por 383 votos a favor e 98 contra;
  • jun – Senado derruba em votação simbólica (sem contagem de votos);
  • 1º.jul – governo aciona oficialmente o STF para judicializar o impasse.



Fonte: Poder 360

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