A crescente expansão dos serviços oferecidos em farmácias brasileiras levanta questões sobre os limites legais desses estabelecimentos no ecossistema de saúde brasileiro. As farmácias podem realizar exames diagnósticos? É permitido o atendimento médico nesses locais?
Segundo a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), a resposta para ambas as perguntas é: não. A entidade tem alertado sobre as restrições legais que delimitam a atuação das farmácias no Brasil, particularmente no que diz respeito à realização de exames laboratoriais e consultas médicas.
Em entrevista ao Saúde Business, Milva Pagano, diretora executiva da Abramed, explicou as diferenças entre testes rápidos (permitidos em farmácias) e exames laboratoriais, e ressaltou ainda que a legislação brasileira proíbe atendimentos médicos nesses estabelecimentos, esclarecendo os motivos dessa restrição. Confira a seguir.
Testes rápidos x exames laboratoriais: entenda a diferença
Os testes rápidos são procedimentos simples de triagem que fornecem resultados preliminares, os exames laboratoriais são análises completas realizadas em ambientes especializados com equipamentos profissionais altamente capacitados.
Os testes rápidos têm limitações de sensibilidade e especificidade, servindo apenas como indicadores iniciais. Durante a pandemia, por exemplo, Pagano cita que houve “muitos casos sérios de falsos negativos” em testes rápidos de Covid-19 realizados em farmácias.
“Não se faz diagnóstico em farmácia, o que pode ser feito ali são triagens muito pontuais, e mesmo assim com restrições técnicas, legais e sanitárias muito objetivas”, afirma.
Entenda quais testes podem ser realizados em farmácias:
- Testes com punção capilar (picada no dedo);
- Testes de secreção nasofaríngea ou orofaríngea;
- Testes como de glicemia e Covid-19.
“Nenhum médico vai basear seu diagnóstico e tratar um paciente considerando apenas um teste rápido”, ressaltou Pagano, enfatizando que a segurança do paciente depende de diagnósticos precisos realizados em ambientes adequados.
Evolução da regulamentação sanitária
A Abramed fundamenta sua posição nas regulamentações sanitárias. A RDC nº 978/2025 da Anvisa, em vigor desde 10 de junho, substituiu a anterior RDC 786 e mantém restrições claras: farmácias podem realizar apenas testes rápidos com punção capilar (picada no dedo) e testes com secreções nasofaríngeas.
A evolução regulatória foi gradual. Antes da RDC 786, farmácias podiam realizar apenas aferição de glicemia capilar. Com as novas resoluções, ampliou-se a permissão para incluir outros testes rápidos como Covid-19 e beta HCG, mas mantendo-os classificados como procedimentos de triagem, não como exames diagnósticos.
Permanecem proibidos nas farmácias: coleta de sangue para análise laboratorial, coleta de amostras de urina, armazenamento ou transporte de material biológico para outros locais e atendimento médico nas instalações.
Esta distinção técnica e legal é considerada essencial para garantir a segurança do paciente e a qualidade dos serviços de saúde no país.
Consultas médicas em farmácias são ilegais?
Além da questão dos exames, Milva Pagano também foi enfática ao afirmar que consultas médicas dentro de farmácias são ilegais no Brasil. “A farmácia é um lugar que vende medicamento. O médico que prescreve não pode estar no mesmo local que vende. Existe um conflito de interesse muito claro”, destacou.
Inúmeros dispositivos legais impedem o atendimento de médicos em farmácias:
- A Lei nº 5.991/1973 veda expressamente que a farmácia ou drogaria mantenham consultório
O objetivo dessa limitação é garantir que a prescrição do profissional médico seja feita em benefício do paciente e não orientada pela venda de medicamentos. E o atendimento médico é restrito em farmácias, tanto de forma presencial quanto remota.
Infraestrutura e capacitação técnica
Carlos Eduardo Ferreira, líder do Comitê Técnico de Análises Clínicas da Abramed e gerente médico do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, acrescenta que “não é sequer viável tecnicamente transformar o espaço de uma farmácia em um posto de coleta ou em um centro diagnóstico. Testes pontuais, de triagem, são bem-vindos; agora exames que exigem coleta e armazenagem de material biológico demandam infraestrutura tecnológica, supervisão e rigor.”
Pagano reforça essa visão: “Para que a farmácia pudesse atender a população com qualidade e segurança, ela precisaria se equiparar a isso, ou seja, cumprir as mesmas exigências que existem para os laboratórios e os hospitais.”
Jornada do paciente
Para a Abramed, o foco deve estar na qualidade do atendimento e na segurança do paciente, não apenas na facilidade de acesso. “O paciente tem que estar no centro do cuidado, ele tem que estar no centro da atenção, não só no discurso de marketing”, alerta Pagano.
“Temos visto uma tentativa de naturalizar práticas que desrespeitam a legislação e colocam em risco pacientes em nome de uma suposta ampliação do acesso. Isso é um desserviço à população, já que o Brasil conta com uma estrutura laboratorial robusta, com mais de 86 mil laboratórios que disponibilizam exames de modo seguro em todo o território nacional”, conclui.