Londres – Um chá de camarão para acompanhar menu degustação com foco em pescados. Um dirty martini feito com kosoret, um chá de verbena-limão de sabor salgado da Etiópia que substitui a salmoura de azeitona. E um chá da tarde, no qual a tradição inglesa é levada a um padrão cinco estrelas, com harmonização de chá para cada etapa do serviço, com o mesmo requinte de vinho.
As opções acima já dão uma ideia do novo status que o chá ganhou no Reino Unido, onde o ritual tipicamente britânico, o chamado “chá das cinco”, se mantém desde meados do século 19. São muitas as últimas inovações, como harmonização de chás com comida, uso de diferentes tipos de chá na preparação de drinks, pratos salgados e sobremesas e a febre dos chás espumantes, servidos em restaurantes sofisticados.
“A cultura do chá no Reino Unido tem se tornado ainda mais popular ao longo dos anos. E o chá da tarde agora é um novo momento de refeição, onde as experiências incluem harmonizações de chá semelhantes ao que se faz com o vinho”, conta ao NeoFeed Mark Perkins, o chef executivo de confeitaria do hotel Rosewood London, em Holborn.
O menu que ele assina é um dos destaques da Afternoon Tea Week, a semana do chá da tarde que segue até domingo, 17 de agosto, em Londres e outras cidades inglesas.
No seu Art Afternoon Tea, onde a arte é inspiração, o homenageado é o pintor japonês Katsushika Hokusai (1760-1849), o que abre as portas para combinar as iguarias (concebidas como miniobras de arte) com chás asiáticos.
Cada chá cumpre uma etapa do serviço, realizado no restaurante Mirror Room. Ele é iniciado com sanduíches finos e outros itens salgados, seguido pelo tradicional scone (pãozinho redondo adocicado acompanhado de geleia e creme de leite espesso) e finalizado com bolos, tortas e doces.
Por exemplo, um sencha (chá verde cozido no vapor) colhido em campos do Monte Fuji, com notas frescas e leve doçura, realça a delicadeza da sobremesa batizada de A Grande Onda de Kanagawa. Essa referência à obra assinada em 1831, por Hokusai (com enormes ondas avançando sobre barcos de pescadores), é uma torre feita de bolo chiffon de limão, com chocolate branco, compota de morango e creme de baunilha com lichia.
“Seja um matcha do Japão ou um chá preto de folhas inteiras do Nepal, hoje há um desejo de conhecer mais o produto, sabendo de onde ele vem. E não apenas o país de origem, mas a região e até a fazenda”, diz Henrietta Lovell, CEO e fundadora da Rare Tea Company, empresa baseada em Londres desde 2004.
Ela explica ao NeoFeed que as novas abordagens do chá são uma consequência da apreciação e da diversidade muito maiores registradas nas últimas décadas.
“Vimos uma mudança enorme. Na década de 70, só existiam os sachês de chá industrializados, predominantemente o English Breakfast. E agora há muita variedade de chás pretos, chás oolong, verdes, brancos e infusões de ervas”, diz Lovell.
No restaurante Behind, o chão de camarão acompanha um prato do crustáceo (Foto: Dot Dash Media)

No Three Sheets, a atração é o dry martini dirty martini feito com kosoret, chá da Etiópia que substitui a salmoura de azeitona (Foto: Divulgação)

No chá da tarde do Hotel The Cadogan, o chá espumante de jasmim é o mais recomendado para realçar o sabor dos doces (Foto: Divulgação)

Uma estrela Michelin, o restaurante coreano Sollip oferece uma seleção de chás espumantes (Foto: Rebecca Dickson)
Chefs de cozinha, confeiteiros e mixologistas aproveitam esse universo em expansão para recorrer aos chás em busca de novos sabores, aromas e nuances no Reino Unido. Os drinks dos bares Three Sheets de Londres, por exemplo, levam chá na preparação, muitas vezes utilizados como estabilizante.
“Usamos chá em quase todos os nossos coquetéis. É uma ótima maneira de dar mais profundidade ao sabor, e a adstringência prolonga o gostinho final da bebida”, afirma o coproprietário Noel Venning das duas casas, uma no Soho e outra em Dalston.
A maior atração do cardápio é o dirty martini, preparado com koseret da Etiópia (no lugar da salmoura de azeitona) para obter uma salinidade mais limpa. Outro coquetel é o pickled mango ice tea, com milk oolong. “Ele tem notas de frutas tropicais que combinam bem com a manga e ainda uma nota texturizada de baunilha que complementa perfeitamente o rum”, comenta Venning.
Brincando com a tradição
Os chás espumantes são um capítulo à parte, mostrando que os vinhos não são mais o único acompanhamento digno dos pratos de restaurantes de alta gastronomia. Várias combinações formam a base para essa versão do chá acrescida de gás carbônico e borbulhas, que surgiu no mercado há pouco mais de dez anos e vem ganhado cada vez mais adeptos.
No chá da tarde do hotel The Cadogan, em Chelsea, o chá espumante de jasmim (com notas de maçã, lichia e baunilha), da marca Saicho, é o mais recomendado para realçar os doces. Entre eles, a religieuse (iguaria parecida com traje de freira), de framboesa, rosa e lichia, e o bolo marble de avelã e chocolate.
“Já o espumante de hojicha, com gosto de matcha e rico em umami, é o mais indicado para equilibrar os sabores dos sanduíches criados pelo chef Benoît Blin”, diz ao NeoFeed Federica Gioffrida, supervisora do salão The Lounge, onde é servido o chá no The Cadogan. Isso vale sobretudo para os quitutes mais marcantes, como o sanduíche de ovo com maionese, parmesão e trufa negra e o brioche com sapateira, salada e ovas de truta.
“Houve uma clara mudança nos hábitos de consumo de álcool desde a covid. Muitos estão optando por cortar o álcool ou beber menos do que antes”, afirma Inaa Shin, gerente do restaurante coreano Sollip, em Southwark, em entrevista ao NeoFeed. Na casa, com uma estrela Michelin, o chá espumante é a mais pedida entre as opções de bebida não alcoólica para acompanhar as criações dos chefs Bomee Ki e Woongchul Park.
“Os chás espumantes evoluíram muito nos últimos tempos. Vão além dos sabores sutis e, muitas vezes, insossos, das bebidas não alcoólicas tradicionais, ao ofereceram mais complexidade e profundidade”, comenta Shin. Uma de suas sugestões é degustar as entradas do cardápio com o chá espumante da empresa Real, feito com darjeeling e kombucha.
Sua acidez natural harmoniza muito bem com o tartare de carne bovina feito com gochujang (pasta de pimenta tradicional coreana), por exemplo.
No restaurante Behind, em Hackney, com uma estrela Michelin e menu degustação com foco em pescados, o chef Andy Beynon criou um chá salgado inusitado.
Ele serve um chá de camarão para acompanhar um prato do crustáceo, em que as cabeças do camarão são desidratadas e recheadas com mousse da carne do mesmo, além de manjericão tailandês, pimenta, alho e molho de peixe.
O chá é preparado com camarões inteiros cozidos com vinho Riesling Trochen em fogo baixo e servido morno, em taça de vinho, com camarão seco, flores de alisso e centáureas na borda.
“Gosto tanto de brincar com a tradição quanto de fazer com que meus clientes se envolvam com a comida o máximo possível”, conta o chef ao NeoFeed.
“É por isso que o chá de camarão chega à mesa em bule transparente e é servido na frente do cliente”, continua ele, como quem propõe uma alternativa bastante exótica para o tradicional chá das cinco.