O mundo da música se despediu na última sexta-feira (10) de John Lodge, figura central dos Moody Blues, que morreu aos 82 anos. A confirmação foi feita pela família, em comunicado que descreve a morte como súbita e inesperada. Ele faleceu rodeado por entes queridos, e — ela conta — ao som das músicas que mais admirava, como The Everly Brothers e Buddy Holly. A causa exata não foi divulgada.
Quem era John Lodge e sua trajetória
John Charles Lodge nasceu em 20 de julho de 1943, em Erdington, Birmingham (Inglaterra). Após algumas experiências musicais iniciais, ele ingressou nos Moody Blues em 1966, dois anos após a formação da banda. Foi nessa fase que o grupo começou a se afastar das raízes do R&B e a incorporar elementos orquestrais, abrindo caminho para o rock sinfônico/progressivo.
Ele participou de discos fundamentais como Days of Future Passed (1967), considerado um dos primeiros álbuns-conceito no rock, com a fusão entre música clássica e rock e faixas célebres como “Nights in White Satin”.
Nos anos seguintes, compôs ou coassina músicas emblemáticas como “Ride My See-Saw”, “Isn’t Life Strange”, “Gemini Dream” e outras que ajudaram a dar uma identidade única ao som da banda.
Além dos trabalhos com o Moody Blues, Lodge teve uma carreira solo — lançando álbuns como Natural Avenue (1977) e 10,000 Light Years Ago (2015) — e manteve constante presença criativa ao longo da vida.
Fim dos palcos e consagração histórica
Nos palcos, os Moody Blues encerraram suas apresentações ao vivo em 2018, quando o último membro fundador, Graeme Edge, aposentou-se. No mesmo ano, a banda foi classificada no Rock & Roll Hall of Fame.
Desde então, o legado da banda tem sido relembrado com freqüência, e John Lodge permaneceu ligado a esse universo musical até seus últimos dias.
O último trabalho solo: Love Conquers All
Mesmo depois de se despedir dos palcos, John Lodge manteve o farol criativo aceso. Em fevereiro de 2025, o lendário baixista e compositor dos Moody Blues lançou o EP Love Conquers All, uma obra curta e profundamente pessoal, marcada por espiritualidade, afeto e um olhar esperançoso diante do tempo. O título — que em tradução livre significa “o amor tudo vence” — resume a filosofia que guiou sua vida e carreira.
Gravado em sua casa na Flórida, o projeto reúne cinco faixas: Sunset Over Cocohatchee Bay (uma introdução instrumental), Love Will Conquer All, The Sun Will Shine (2024 Remix), In These Crazy Times e Whispering Angels. Cada canção revela um Lodge introspectivo, contemplativo, mas ainda apaixonado pela música.
O álbum contou com colaborações muito especiais. O genro Jon Davison, vocalista do YES, coescreveu Whispering Angels e aparece nos vocais de apoio em várias faixas. O tecladista Geoff Downes (YES, Asia) e o guitarrista Dave Colquhoun também participam, ao lado da banda de apoio de Lodge, a 10,000 Light Years Band. A esposa Kirsten e o filho Kristian são lembrados com carinho nos créditos — o disco, afinal, é também uma homenagem à família e à fé que sustentaram o artista ao longo das décadas.
Lodge descreveu o EP como “um lembrete de que, mesmo em tempos incertos, o amor é o que nos mantém conectados”. O lançamento, feito de forma independente no Dia dos Namorados internacional (14 de fevereiro), trouxe uma rara combinação de serenidade e vigor, com letras que falam de amor, fé e permanência.
Assista a seguir ao clipe de “Whispering Angels”
O videoclipe de “Whispering Angels” é uma despedida suave — quase uma oração em forma de música. A faixa, escrita por John Lodge e Jon Davison, traz participações de Geoff Downes e Dave Colquhoun, e foi lançada como single do EP Love Conquers All.
Visualmente, o clipe traduz a atmosfera celestial da canção: luzes difusas, imagens de estúdio e um Lodge sereno, envolto por uma névoa simbólica que evoca espiritualidade e paz. A melodia é etérea, e os versos parecem flutuar entre o amor terreno e o reencontro eterno:
“Eu ouço o som de anjos sussurrantes,
Caminhando ao meu lado…”
A música fala sobre presença espiritual e amor que transcende a distância, um tema recorrente em sua obra tardia. A gravação, delicadamente produzida, mantém o timbre característico de sua voz e o baixo fluido que sempre foi sua marca.
O clipe oficial está disponível no canal de John Lodge no YouTube e nas páginas oficiais do artista. A canção foi promovida junto com o anúncio de uma turnê pelos Estados Unidos e Reino Unido, que incluiu datas em locais históricos como o Capitol Theatre (Nova York), Shubert Theater (Connecticut), Keswick Theatre (Pensilvânia), Union Chapel (Londres) e o Rock and Romance Cruise, no Caribe.
Essas apresentações — que mesclavam repertório solo e clássicos dos Moody Blues — acabaram se tornando uma última celebração da vida e da obra de John Lodge. Um adeus feito à sua maneira: com serenidade, afeto e música.
No fim, seu derradeiro registro artístico reafirma o que sempre acreditou — o amor, de fato, conquista tudo.
A nota da família, o adeus e o legado
No comunicado oficial, a família descreve Lodge como “marido, pai, avô, sogro e irmão amado”. Eles contam que ele “pacificamente se foi, cercado pelos seus amores e ao som de Everly Brothers e Buddy Holly”. Não há detalhes sobre a causa da morte.
A nota segue:
“Eles sentem profundamente sua partida, mas caminharão em paz, guiados pelo amor que ele tinha por cada um de nós.”
“Como John sempre dizia no fim dos shows: ‘Obrigado por manter a fé’.”
Por que John Lodge permanece vivo na sua playlist
John Lodge foi o alicerce sonoro dos Moody Blues. Seu baixo melódico e a voz de timbre cálido deram textura à sonoridade que unia o rock à música orquestral, criando um estilo inconfundível — sofisticado, mas acessível, como se cada nota tivesse sido escrita para ecoar nas madrugadas de quem ainda acredita no poder da canção.
Como compositor, assinou e coassinou clássicos que resistem ao tempo, entre eles “Ride My See-Saw”, “Isn’t Life Strange” e “Gemini Dream”. São músicas que capturam o espírito do rock progressivo em sua fase mais lírica, com letras que flertam com a filosofia e a introspecção.
Lodge também participou dos álbuns mais emblemáticos da banda — entre o fim dos anos 1960 e início dos 1970 —, período em que o The Moody Blues ajudou a redefinir o conceito de álbum como experiência imersiva, unindo arranjos sinfônicos e narrativa conceitual.
Fora dos palcos, manteve uma vida discreta e serena, marcada por fortes laços familiares e fé cristã, longe dos excessos típicos do rock. Era, nas palavras do The Guardian, um homem de “gentileza, convicção e integridade raras” — qualidades que se refletiam tanto na música quanto na maneira como viveu.
O legado é vasto: os Moody Blues venderam cerca de 70 milhões de discos em todo o mundo, e seguem inspirando novas gerações de artistas que buscam, como Lodge, o equilíbrio entre a emoção e a harmonia.
O eco eterno de “Talking Out of Turn”
Encerrar esta homenagem com “Talking Out of Turn” é como deixar que o próprio John Lodge tenha a última palavra. Lançada em 1981, no álbum Long Distance Voyager, a canção é uma das composições mais emblemáticas de sua carreira — e uma das preferidas do público da Antena 1, onde segue presente na programação.
Composta e cantada por Lodge, a faixa reflete o espírito poético e introspectivo que o definia como autor. É uma balada longa, de quase 7 minutos e meio, construída sobre um arranjo de sintetizadores sutis, baixo melódico e cordas orquestrais — a fusão perfeita entre o rock sinfônico dos anos 70 e o pop sofisticado dos 80.
“Talking Out of Turn” é, ao mesmo tempo, uma confissão e um pedido de perdão. A letra fala sobre reconhecer os próprios erros e buscar reconciliação — um tema que atravessa boa parte da obra de Lodge. Sua interpretação contida, quase contemplativa, dá à música um tom de sinceridade desarmante.
O single foi lançado pela Threshold Records, gravadora fundada pelos próprios Moody Blues, e alcançou sucesso nas rádios adultas dos Estados Unidos e do Reino Unido, ajudando a consolidar a nova fase da banda no início da década de 1980. O álbum Long Distance Voyager, aliás, seria o primeiro grande lançamento do grupo com Patrick Moraz (ex-YES) nos teclados e marcou o retorno dos Moody Blues às paradas após um hiato.
Mais de quatro décadas depois, “Talking Out of Turn” continua a soar atual — tanto pela beleza da melodia quanto pela humanidade da mensagem. É uma música sobre admitir falhas, reconectar-se com o que importa e, de certa forma, reconciliar-se com o próprio tempo.
Assim, entre anjos sussurrantes e versos de arrependimento, John Lodge se despede em harmonia com a vida: com a certeza de que a emoção, a elegância e a honestidade musical — essas sim — nunca saem de sintonia.
Fonte: Antena 1